São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2008

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Sem trigo argentino, pão fica mais caro

Argentina volta a suspender exportações ao Brasil, pressionando preço do pão, que já subiu 17% nos últimos 12 meses

Governo Kirchner afirma que sua "única prioridade é garantir o pão argentino'; moinho brasileiro diz que país vizinho guarda produto

Mauro Zafalon/Folha Imagem
Plantação de trigo no Paraná, principal produtor no Brasil, que importa até 70% do cereal e sofre dificuldade de abastecimento

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

A Argentina voltou a suspender as exportações de trigo para o Brasil. Os registros, que deveriam ser abertos nesta semana para possibilitar os embarques em 5 de maio, foram cancelados pelo governo, surpreendendo, mais uma vez, os moinhos brasileiros. Esse adiamento complica ainda mais a situação da indústria brasileira, que, com estoques para até o final de maio, vai ter de buscar o cereal em outros mercados, principalmente na América do Norte.
O problema é que, além de ter preço mais alto, o trigo dos EUA e do Canadá também tem frete maior. E, enquanto uma importação de trigo argentino chega ao Brasil em menos de uma semana, a dos EUA demora pelo menos 40 dias.
Chamado às pressas para a reunião hoje, em Buenos Aires, entre representantes dos dois governos, Luiz Martins, presidente do Conselho Deliberativo da Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo), diz que o fechamento das exportações, desta vez, é por tempo indeterminado. O resultado será aumento de custos para as indústrias e, conseqüentemente, mais repasse de preço ao consumidor. O que afetará ainda mais a inflação.
Nos últimos 12 meses até março, o pãozinho subiu 17%, e a farinha de trigo, 18% para o consumidor paulista, segundo a Fipe. Na semana passada, a indústria já havia acenado com novos reajustes de 12% no pão e de 10% a 15% nas massas e nos biscoitos.
"A situação está complicada", disse Lawrence Pih, do moinho Pacífico. Os moinhos esperavam o trigo argentino, mais barato, para contrabalançar com o que terão de importar de outros países, acrescenta Pih. "Com isso, poderíamos fazer uma melhor média de preços."
Pih diz que o governo tem de repensar o volume livre da TEC (Taxa Externa Comum, de 10%) a ser importado. O governo já liberou 1 milhão de toneladas, que devem ser importadas até julho. "O bom é que o governo já está suscetível ao problema", afirmou Pih.
O aumento da cota sem a TEC é vital para a indústria, diz Christian Saigh, diretor do Sindustrigo (Sindicato da Indústria do Trigo). Na sua avaliação, o governo deveria liberar ao menos mais 1 milhão de toneladas antes da safra nacional, que ocorre no segundo semestre.
O Brasil está nas mãos de um parceiro não confiável, e o governo precisa agir, disse Saigh. "A dependência da Argentina não é boa nem para a indústria nem para o consumidor."
Pih e Saigh alegam que a Argentina tem trigo, mas o está guardando para eventual troca por energia com a Venezuela (petróleo) e a Bolívia (gás).
O governo argentino inibe as exportações de trigo, mas impõe menos restrições às de farinha. As importações brasileiras do produto somaram 201,3 mil toneladas e US$ 73,6 milhões no primeiro trimestre deste ano. O volume supera em 50% o de igual período de 2007, e os gastos, em 131%, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento.
Se o governo argentino permitisse as exportações, Pih diz que o trigo chegaria por US$ 400 a tonelada em Santos. Já o dos EUA chega a US$ 460. Além desses valores, os moinhos gastam outros US$ 32 por tonelada com a colocação do produto no mercado interno.
Os problemas no setor de trigo ocorrem porque a demanda mundial cresceu, houve quebra de safras em alguns dos principais produtores mundiais e os estoques são os menores das últimas décadas. O resultado final para o Brasil, que importa até 70% do trigo que consome, é a maior crise do setor nos últimos 20 anos. Os preços do trigo duplicaram no mercado externo, o que exige o dobro do fluxo de caixa para os moinhos brasileiros obterem o mesmo volume de produto importado.


Colaborou ADRIANA KÜCHLER , de Buenos Aires


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