São Paulo, quarta-feira, 23 de maio de 2001

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Para advogados, Zylbersztajn foi truculento, autoritário e fanfarrão

EUNICE NUNES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Truculento, autoritário, desatinado, fanfarrão, prepotente. Esses foram adjetivos usados por professores de direito e advogados ao comentar a declaração do diretor-geral da ANP, David Zylbersztajn, de que quem recorrer à Justiça contra as medidas de racionamento de energia "vai ganhar de presente o apagão".
"Uma atitude truculenta, no mesmo estilo do governo Collor. As medidas são ilegais. E, quer o governo queira ou não, no Judiciário, o que acaba prevalecendo é a legalidade", afirma o advogado Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça do governo Sarney.
"Truculento e autoritário. Ninguém pode ser punido por recorrer à Justiça. Ele que vá ao Supremo com uma ação direta de constitucionalidade para que não pairem dúvidas sobre a legalidade do pacote", critica Plínio José Marafon, advogado tributarista.
"É um desatino. O diretor da ANP perdeu a capacidade de raciocinar. Mostra que o governo está frontalmente contra uma das principais garantias do Estado de Direito, que é o recurso ao Judiciário", diz Fábio Konder Comparato, professor titular da Faculdade de Direito da USP.
"Uma manifestação insolente de um prepotente. Todo cidadão tem o direito de ir à Justiça, e qualquer governo civilizado tem de aceitar isso", declara Manoel Gonçalves Ferreira Filho, também professor titular da USP.
"Ironizar e tentar chantagear os juízes são métodos ilegítimos e antidemocráticos", disse o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Flávio Dino.
"Uma fanfarronice. Mas, quando a União se tornar ré, no curso do processo, esse tipo de afirmação pode ser qualificada como coação", diz João Piza, advogado especialista em direito público.
Comparato salienta que as medidas do governo são ilegais e nem sequer atendem ao caráter de urgência necessário para implementá-las por meio de MP.
"Não é urgência. É negligência. O anúncio do colapso energético foi feito desde o começo do atual governo", afirma.
Seguindo o mesmo raciocínio, Ferreira Filho indaga: "Suponhamos que a população aceite tudo o que eles querem. Isso nos livra do apagão? Não. A situação é resultado de incúria, imprevidência e negligência do governo".
Todos consideram, em tese, o plano de racionamento de energia ilegal, mas ponderam que é preciso conhecer o texto da MP que o institui para definir o que significa juridicamente a sobretaxa.
Dependendo do destino que for dado ao dinheiro, ela pode configurar um aumento de tarifa -se entrar no caixa da empresa concessionária- ou um tributo -se for para o bolso do governo.
"Se ficar com o governo, pode chegar a caracterizar um confisco. Se ficar com a concessionária, fica evidente o rompimento do princípio da modicidade da tarifa", sustenta Eros Roberto Grau, também professor titular da USP.

Medida inconstitucional
A seção do Rio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) vai encaminhar um ofício ao Conselho Federal da entidade solicitando a arguição da inconstitucionalidade da medida provisória do racionamento de energia.
A OAB do Rio também anunciou que entrará na Justiça com uma ação civil pública na tentativa de impedir a cobrança de sobretaxas de até 200% previstas pelo "ministério do apagão". Outro objetivo da ação é tentar impossibilitar qualquer interrupção no fornecimento de energia.
Segundo o presidente da OAB-RJ, Octávio Gomes, as medidas ferem a Constituição e o Código de Defesa do Consumidor.
Sobre a declaração de Zylbersztajn de que os juristas que são contra o racionamento "vivem em Marte", Gomes respondeu: "Se os juízes estavam em Marte, o governo estava em Saturno, para deixar a crise chegar no apogeu e, agora, jogar a culpa no cidadão".


Colaboraram Patrícia Zimmermann, da Folha Online, em Brasília, e a Sucursal do Rio


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