São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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LEGISLAÇÃO

Para instituições financeiras, modificações no projeto aprovado pela Câmara protegem o crédito, e não o setor

Senado beneficia bancos na Lei de Falências

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os bancos estão conseguindo ampliar seus privilégios na nova Lei de Falências durante a tramitação do projeto no Senado. O tom mais "financista" do texto é criticado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), pelas centrais de trabalhadores e por advogados de empresas em situação falimentar.
"O projeto está com um viés financeiro mais forte do que tinha na versão aprovada na Câmara", diz Fernando Lottenberg, consultor jurídico da Fiesp.
Segundo ele, a indústria tem interesse no projeto como devedora -e aí busca uma lei que garanta a recuperação de empresas em dificuldades- e também como credora. "Do ponto de vista da empresa devedora, o projeto apresenta ganhos de qualidade em relação à legislação atual", diz.
Mas não houve avanços para as indústrias que figurem como credoras em um processo de recuperação judicial (a antiga concordata) ou de falência, diz Julio Sérgio Gomes de Almeida, economista do Iedi (Instituto de Estudos e Desenvolvimento Industrial).
Elas continuam na "lanterninha" na lista de preferência para receber seus créditos.
Para os trabalhadores, o projeto passa uma falsa idéia de que eles terão prioridade no recebimento dos créditos nos casos de recuperação judicial e de falência. "Na forma como está, o projeto dá margem a interpretações duvidosas e os créditos trabalhistas ficarão em segundo plano", diz Ricardo Patah, da Força Sindical.
Na visão da CUT (Central Única dos Trabalhadores), "o projeto, desde sua origem, há dez anos, já dava prioridade aos bancos. E continua nessa linha", afirma Rosane Silva, diretora de política sindical da central.
Gabriel Jorge Ferreira, presidente da CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras), afirma que "é um equívoco dizer que essa é uma lei para beneficiar bancos". Na sua opinião, "o objetivo da nova Lei de Falências é recuperar empresas em dificuldades dentro de um processo mais transparente do que o mecanismo atual da concordata".
Ferreira diz que a nova lei não protege as instituições financeiras, mas o crédito. "A nova lei vai baratear o custo do dinheiro e fazer aumentar a demanda por financiamentos. Ela dá um sinal positivo aos investimentos externos e estimula a parceria de empresas locais com estrangeiras."
Para o advogado Elias Katudjian, especialista em falências, o resultado na nova lei será o seguinte: "Os trabalhadores de uma empresa falida vão salvar R$ 1.300 cada um, os bancos morderão a parte do leão e os fornecedores ficarão a ver navios".
No caso de empresas em recuperação judicial, os bancos poderão executar suas garantias de imediato. Mas, se tais garantias forem bens de capital (máquinas e equipamentos) necessários à produção, eles terão de esperar 180 dias para retomá-los.
Advogados afirmam que o prazo é muito pequeno. Na lei atual, a concordata dá dois anos de prazo para a empresa pagar suas dívidas e, nesse período, os bens dados em garantia a financiamentos bancários não podem ser resgatados. "A execução de garantias inviabiliza a recuperação da empresa", afirma Almeida, do Iedi.
Entre o texto aprovado na Câmara, em outubro do ano passado, e o que saiu da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos, do Senado), os bancos conquistaram o direito de, nos processos de falência, converter a execução de garantias em pedidos de restituição. "Isso fica claro analisando os artigos 49, 85 e 149 do projeto do Senado", observa Katudjian.
Com isso, as instituições financeiras poderão resgatar os bens dados em garantia a financiamentos antes do pagamento dos demais credores, subvertendo a hierarquia formal dos créditos. Por essa hierarquia, os trabalhadores recebem em primeiro lugar -até 150 salários mínimos- e depois os credores com garantias reais, seguidos dos demais.
Também sob o rótulo de "restituição", os bancos ampliaram a possibilidade de receber os recursos referentes a financiamentos à exportação. Eles serão pagos antes dos demais créditos mesmo que o prazo de vencimento dos mesmos tenha sido prorrogado.
Segundo o projeto, o único pagamento que precede as restituições é o de salários atrasados correspondentes aos três meses anteriores à quebra da empresa, limitados a cinco salários mínimos (R$ 1.300).
Outro benefício conquistado no Senado pelo sistema financeiro é a exclusão da massa falida de todos os empréstimos concedidos à empresa durante o processo de recuperação judicial. Esse tipo de crédito, chamado de "extraconcursal", foi uma novidade criada na CAE.


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