São Paulo, sexta-feira, 23 de junho de 2006

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Summers volta a gerar polêmica

Países não deveriam investir tanto em títulos norte-americanos, afirma ex-secretário do Tesouro

Para ex-membro do governo Clinton, emergente deveria aplicar em ações, que dão mais lucros, ou mesmo em infra-estrutura


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Se um economista marciano chegasse à Terra agora e visse que os países em desenvolvimento investem grandes importâncias no país mais rico do mundo, e não o contrário, já acharia que há algo errado por aqui. Se examinasse a economia global com um pouco mais de cuidado e visse que os maiores investidores desses países pobres são os bancos centrais, e não a iniciativa privada, e que o principal destino do dinheiro é uma aplicação que rende perto de zero, deixaria o planeta correndo.
O raciocínio ganha peso quando se sabe que seu autor é Lawrence H. Summers, reitor que acaba de deixar a Universidade Harvard e que foi secretário do Tesouro norte-americano por 18 meses, durante a gestão de Bill Clinton (1993-2001). Segundo defendeu em discurso no começo da semana no Centro para Desenvolvimento Global e vem dizendo em palestras e entrevistas, os países em desenvolvimento deveriam vender boa parte de seus títulos do Tesouro americano.
No cálculo de Summers, América Latina, Ásia, Leste Europeu e África usam a maior parte de suas reservas para comprar títulos do Tesouro dos EUA, que, quando descontada a inflação e realizado o reajuste cambial, têm renda perto de zero. "Deveriam aplicar em ações, que lucram mais, ou mesmo em obras", disse o polêmico acadêmico (leia texto nesta página).
Ele cita como exemplo extremo Botswana, país africano líder em desigualdade social, cujas reservas chegam a 66% do PIB (US$ 6 bilhões), dinheiro que está quase todo nos "treasuries" americanos. Mas também países do bloco Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). O último tem reserva de US$ 724 bilhões (33% do PIB).
"Enquanto isso, deixam de colocar esse dinheiro em investimentos muito mais lucrativos, como ações", discursa ele. "Isso, em sociedade em que centenas de milhões de pessoas ainda são desesperadamente pobres. É alarmante o custo que esses portfólios fortemente baseados em "treasuries" tem em emergentes. Essa é a ironia global financeira da nossa era."
Suas falas vêm causando espécie em membros do governo norte-americano e analistas econômicos ortodoxos, mas foi elogiada por entidades como o Banco Mundial. O economista defende seu ponto de vista dizendo que não prega uma "corrida dos países ao banco" para vender os títulos norte-americanos, até porque os BCs desses países necessitam de que uma parte esteja em águas seguras -e poucos investimentos são mais seguros que os "treasuries". Mas continua:
"Suponha que você esteja em Marte e nunca tenha estado no planeta Terra, mas estudou economia, e alguém diz que há um grande número de países relativamente pobres que crescem a taxas anuais de 4%, 5%, 6%, 8%, 10%, e que há esses outros países, que são ricos e estão envelhecendo rápido, crescendo a taxas de 2% ao ano, 3% ao ano, com populações crescendo muito devagar. Pois o fluxo de capital na verdade é substancialmente maior dos países pobres para os países ricos."
Summers classifica de "reserva" o excedente com que o país conta depois de descontados os gastos que serão destinados ao pagamento da dívida externa por um ano; calcula que o total global desse dinheiro esteja hoje entre US$ 2 trilhões e US$ 3 trilhões. Se o montante fosse aplicado numa carteira conservadora de ações, por exemplo, é provável que o retorno fosse de 5% ao ano -ou US$ 100 bilhões. "Isso", conclui ele, "é mais do que todos os países ricos juntos investem no combate à pobreza num ano."


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