São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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"MADE IN BRAZIL"

Levantamento mostra que a indústria nacional ainda engatinha no processo de internacionalização

Multinacionais brasileiras ainda são poucas

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

O processo de internacionalização de empresas brasileiras, fundamental para o crescimento sustentado, ainda engatinha. Das 30 companhias que estão ganhando o mercado externo, apenas dez têm algum tipo de representação, comercial ou industrial, lá fora.
Dessas, só duas podem ser chamadas de multinacionais: a Embraer e a AmBev, segundo analistas. Para elas, o Brasil deixou de ser o principal mercado. E o foco é a atuação global.
Uma evidência da fragilidade do processo de internacionalização é a repatriação de lucros. No ano passado, entraram no país, na forma de lucros e dividendos, apenas US$ 760 milhões. É uma gota d'água se comparada aos US$ 4,8 bilhões remetidos pelas filiais brasileiras de múltis estrangeiras no mesmo período.
Para o país, a internacionalização das empresas é importante, pois dá fôlego à economia no longo prazo. Quando uma companhia migra, arrasta consigo seus fornecedores, consultores e prestadores de serviço, numa reação em cadeia. Elas ganham solidez e alavancam o crescimento.
Esse processo, entretanto, é longo e demorado. Entre a primeira fase, a da exportação pura e simples, até a instalação de representações comerciais e, finalmente, pôr uma fábrica fora do país, podem transcorrer 15 anos.
Nem todas as empresas que entram nessa corrida chegam à reta final. "Os desafios para se tornar competitivo lá fora e a existência de um grande mercado interno levam os empresários brasileiros à acomodação", diz Edson Vaz Musa, dono da Caloi.
A onda globalizante dos anos 90 também contribuiu para o atraso atual, pois acabou tragando os embriões de multinacionais brasileiras. Empresas como Metal Leve e Cofap, que puseram bases no exterior naquela época, acabaram sendo compradas por grupos estrangeiros. "Até agora, o Brasil teve uma posição passiva no processo de globalização, só vendeu empresas. Temos de ser ativos e sair para o mundo", diz Musa.
A partir do crescente movimento exportador, um grupo de companhias locais tenta retomar o rumo da internacionalização colocando sua marca lá fora.

Planejamento
Esse movimento exige mudanças radicais de cultura organizacional, de distribuição e maior flexibilidade na produção. Para produzir em outro país é necessário, por vezes, adaptar o negócio a um novo modelo de administração. É obrigatório conhecer desde as regras trabalhistas até, inclusive, definir um planejamento logístico que não faça as companhias perder dinheiro no exterior.
A Natura, por exemplo, que só trabalha com venda direta, vai debutar no varejo para entrar no mercado europeu. Em fevereiro de 2005, ela inaugura uma loja em Paris, em busca de espaço na terra da Lancôme .
A Caloi, está conquistando o mercado americano a partir da China: ela terceiriza a produção das "bikes" com sua marca, enquanto faz ajustes nas linhas de produção de Manaus para ter custos competitivos e passar a exportar daqui. "Estamos iniciando o processo de internacionalização", diz Marcos Bandeira de Mello, diretor de negócios da empresa.
Segundo ele, a opção de fabricar na China se deve à maior flexibilidade das fábricas chinesas e ao custo da mão-de-obra. "Eles conseguem ser competitivos mesmo fabricando um lote pequeno de bicicletas, coisa que não conseguimos em Manaus", diz ele.
Hoje, cruzar a fronteira é a única saída para empresas como a Embraer, AmBev, Gerdau, Weg, Embraco, Votorantim Cimentos, Natura, Alpargatas e Tigre. "O porte delas já ultrapassa o tamanho do mercado interno", observa Álvaro Cyrino, coordenador da pesquisa "Global Players", que está sendo feita pela Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte.
Os resultados preliminares desse estudo, antecipados para a Folha, mostram um processo desigual. "As empresas têm graus diferentes de internacionalização, mas sabem que são compromissos irreversíveis", diz Cyrino.
Algumas delas ainda estão na fase exportadora mas conseguem quase a metade de suas receitas lá fora.
É o caso da Sadia, a maior fabricante de alimentos do país, que conseguiu 45% do seu faturamento do ano passado no exterior. A empresa produz apenas no Brasil e mantém representações comerciais em 11 países.
Outras, como a Embraco, maior fabricante mundial de compressores, estão na estrada há décadas e viraram multinacionais ao se associarem a grupos internacionais.
"Tínhamos uma presença forte no mercado internacional, mas no início dos anos 90 começamos a sentir os efeitos da globalização, com os concorrentes instalando fábricas próximas dos grandes mercados consumidores", diz Ernesto Heinzelmann, presidente da Embraco. "Colocar fábricas fora do país, foi uma reação nossa ao mercado."
Fundada em 1971 por três fabricantes de refrigeradores - Consul, Springer e Prosdócimo-, a empresa não é nacional. Associou-se em 1976 ao grupo Brasmotor e hoje é controlada pela americana Whirpool. "Por nossas origens, e pelo fato de que o início da internacionalização partiu dos controladores brasileiros, podemos dizer que somos hoje uma multinacional brasileira", acredita Heinzelmann.
No momento, a Embraco tem fábricas na Itália, na China e na Eslovénia e obtém 40% do seu faturamento no exterior. A experiência da internacionalização foi conduzida por executivos brasileiros que migraram para aqueles países com suas famílias, para fincar as bases da companhia.
O grupo que foi para Pequim, em 1995, conta Heinzelmann, tinha um contrato para permanecer dois anos e acabou ficando três. "Além das dificuldades com o idioma e a diferença de culturas, eles tinham uma preocupação adicional: os atrasos de pagamento dos clientes eram comuns, pois como as empresas eram todas estatais, tudo convergia para um único fundo no final". lembra ele. "Essa fase está superada. Hoje, a China é outro país."


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