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"MADE IN BRAZIL"
Levantamento mostra que a indústria nacional ainda engatinha no processo de internacionalização
Multinacionais brasileiras ainda são poucas
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
O processo de internacionalização de empresas brasileiras, fundamental para o crescimento sustentado, ainda engatinha. Das 30
companhias que estão ganhando
o mercado externo, apenas dez
têm algum tipo de representação,
comercial ou industrial, lá fora.
Dessas, só duas podem ser chamadas de multinacionais: a Embraer e a AmBev, segundo analistas. Para elas, o Brasil deixou de
ser o principal mercado. E o foco é
a atuação global.
Uma evidência da fragilidade
do processo de internacionalização é a repatriação de lucros. No
ano passado, entraram no país, na
forma de lucros e dividendos,
apenas US$ 760 milhões. É uma
gota d'água se comparada aos
US$ 4,8 bilhões remetidos pelas
filiais brasileiras de múltis estrangeiras no mesmo período.
Para o país, a internacionalização das empresas é importante,
pois dá fôlego à economia no longo prazo. Quando uma companhia migra, arrasta consigo seus
fornecedores, consultores e prestadores de serviço, numa reação
em cadeia. Elas ganham solidez e
alavancam o crescimento.
Esse processo, entretanto, é longo e demorado. Entre a primeira
fase, a da exportação pura e simples, até a instalação de representações comerciais e, finalmente,
pôr uma fábrica fora do país, podem transcorrer 15 anos.
Nem todas as empresas que entram nessa corrida chegam à reta
final. "Os desafios para se tornar
competitivo lá fora e a existência
de um grande mercado interno
levam os empresários brasileiros
à acomodação", diz Edson Vaz
Musa, dono da Caloi.
A onda globalizante dos anos 90
também contribuiu para o atraso
atual, pois acabou tragando os
embriões de multinacionais brasileiras. Empresas como Metal Leve e Cofap, que puseram bases no
exterior naquela época, acabaram
sendo compradas por grupos estrangeiros. "Até agora, o Brasil teve uma posição passiva no processo de globalização, só vendeu
empresas. Temos de ser ativos e
sair para o mundo", diz Musa.
A partir do crescente movimento exportador, um grupo de companhias locais tenta retomar o rumo da internacionalização colocando sua marca lá fora.
Planejamento
Esse movimento exige mudanças radicais de cultura organizacional, de distribuição e maior flexibilidade na produção. Para produzir em outro país é necessário,
por vezes, adaptar o negócio a um
novo modelo de administração. É
obrigatório conhecer desde as regras trabalhistas até, inclusive, definir um planejamento logístico
que não faça as companhias perder dinheiro no exterior.
A Natura, por exemplo, que só
trabalha com venda direta, vai debutar no varejo para entrar no
mercado europeu. Em fevereiro
de 2005, ela inaugura uma loja em
Paris, em busca de espaço na terra
da Lancôme .
A Caloi, está conquistando o
mercado americano a partir da
China: ela terceiriza a produção
das "bikes" com sua marca, enquanto faz ajustes nas linhas de
produção de Manaus para ter custos competitivos e passar a exportar daqui. "Estamos iniciando o
processo de internacionalização",
diz Marcos Bandeira de Mello, diretor de negócios da empresa.
Segundo ele, a opção de fabricar
na China se deve à maior flexibilidade das fábricas chinesas e ao
custo da mão-de-obra. "Eles conseguem ser competitivos mesmo
fabricando um lote pequeno de
bicicletas, coisa que não conseguimos em Manaus", diz ele.
Hoje, cruzar a fronteira é a única
saída para empresas como a Embraer, AmBev, Gerdau, Weg, Embraco, Votorantim Cimentos, Natura, Alpargatas e Tigre. "O porte
delas já ultrapassa o tamanho do
mercado interno", observa Álvaro Cyrino, coordenador da pesquisa "Global Players", que está
sendo feita pela Fundação Dom
Cabral, de Belo Horizonte.
Os resultados preliminares desse estudo, antecipados para a Folha, mostram um processo desigual. "As empresas têm graus diferentes de internacionalização,
mas sabem que são compromissos irreversíveis", diz Cyrino.
Algumas delas ainda estão na
fase exportadora mas conseguem
quase a metade de suas receitas lá
fora.
É o caso da Sadia, a maior fabricante de alimentos do país, que
conseguiu 45% do seu faturamento do ano passado no exterior. A
empresa produz apenas no Brasil
e mantém representações comerciais em 11 países.
Outras, como a Embraco, maior
fabricante mundial de compressores, estão na estrada há décadas
e viraram multinacionais ao se associarem a grupos internacionais.
"Tínhamos uma presença forte
no mercado internacional, mas
no início dos anos 90 começamos
a sentir os efeitos da globalização,
com os concorrentes instalando
fábricas próximas dos grandes
mercados consumidores", diz Ernesto Heinzelmann, presidente
da Embraco. "Colocar fábricas fora do país, foi uma reação nossa
ao mercado."
Fundada em 1971 por três fabricantes de refrigeradores - Consul, Springer e Prosdócimo-, a
empresa não é nacional. Associou-se em 1976 ao grupo Brasmotor e hoje é controlada pela
americana Whirpool. "Por nossas
origens, e pelo fato de que o início
da internacionalização partiu dos
controladores brasileiros, podemos dizer que somos hoje uma
multinacional brasileira", acredita Heinzelmann.
No momento, a Embraco tem
fábricas na Itália, na China e na
Eslovénia e obtém 40% do seu faturamento no exterior. A experiência da internacionalização foi
conduzida por executivos brasileiros que migraram para aqueles
países com suas famílias, para fincar as bases da companhia.
O grupo que foi para Pequim,
em 1995, conta Heinzelmann, tinha um contrato para permanecer dois anos e acabou ficando
três. "Além das dificuldades com
o idioma e a diferença de culturas,
eles tinham uma preocupação
adicional: os atrasos de pagamento dos clientes eram comuns, pois
como as empresas eram todas estatais, tudo convergia para um
único fundo no final". lembra ele.
"Essa fase está superada. Hoje, a
China é outro país."
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