São Paulo, domingo, 23 de agosto de 1998

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DIAGNÓSTICO & RECEITA
Inversão entreguista

OSIRIS LOPES FILHO

A política desnacionalizante do governo FHC conseguiu a façanha de, em reprise de submissão histórica, trazer de volta o capital português, para explorar a telefonia.
Não há novidade nem surpresa nisso. É conseqüência da política paleoliberal.
Um conhecido, a propósito, tentou menosprezar a argúcia predatória do colonizador, submetendo-o à erosão anedótica. Lembrava-me um episódio caricato da 2ª Guerra. Um comandante de navio português, devendo ir de Portugal à Noruega, levando vinho e trazendo bacalhau, para passar sem perturbações pelo Canal da Mancha, entre a Inglaterra e a França ocupada pelos nazistas, bolou uma solução. Mandou pintar no lado direito do navio, a ser visto da França, a saudação "Heil Hitler" e, do outro lado, "God saves the queen". Na ida tudo foi tranqüilo; na volta, o desastre. O navio foi bombardeado pelos dois lados.
Conto a estória não para desmerecer os portugueses, que afinal estão voltando poderosos. Essa travessia bem-sucedida na ida e calamitosa no retorno calha ao governo como a luva à mão.
O capital de investimento estrangeiro tem se especializado em aplicações na compra de empresas prestadoras de serviços públicos. Compra-se o que já funciona.
A possibilidade de esses empreendimentos gerarem lucros, em curto prazo, não é remota. É um fato concreto. Novas tecnologias, gerência eficaz, tarifas gordas fixadas pelo governo, despedida de trabalhadores, arrocho salarial, em curto período, podem proporcionar resultados financeiros auspiciosos.
Não são empresas geradoras de divisas na exportação. Em realidade, serão empresas exportadoras de divisas, via remessa de lucros e dividendos.
E lucros e dividendos que sairão do país sem tributação sobre as remessas ao exterior. A partir de 1995, mediante a lei nº 9.249/95 patrocinada pelo governo FHC, não há mais incidência tributária nessas operações. Não se tributa aqui, para que lá fora se cobre imposto sobre a totalidade. Isso significa que o governo está abdicando da receita em favor dos fiscos dos países do Primeiro Mundo. É a suprema demonstração de soberba. País pobre renuncia receita, generosamente, para beneficiar os ricos.
A reivindicação isonômica aqui no Brasil, pela inversão perversa praticada pelo atual governo, vai ser de o nacional pretender ter o mesmo tratamento dado ao estrangeiro.


Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.




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