São Paulo, domingo, 23 de agosto de 1998

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Fed ainda quer subir juros nos EUA

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

O Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) continua disposto a elevar as taxas de juros nos EUA. A informação foi divulgada na mesma sexta-feira sangrenta em que o sistema financeiro do hemisfério ocidental tremeu nas bases. Foi publicada a ata da reunião de julho do Fed.
Até agora a decisão de elevar as taxas de juros nos Estados Unidos tem sido adiada, em boa medida, pela crise asiática. Os países da periferia mundial precisam de capitais. Uma alta de juros no centro da economia global apenas tornaria mais difícil atrair recursos.
O resultado da votação no Fed foi 10 a 1 em sua reunião de julho, há mais de dois meses, em favor da manutenção das taxas vigentes. Mas houve um reconhecimento de que a alta dos juros é inevitável.
O Fed teme o surgimento de pressões inflacionárias nos EUA. Para tentar evitar a especulação, o banco central dos EUA divulga a ata de suas reuniões com uma defasagem de seis semanas.
Por enquanto sinais de inflação continuam mínimos. Afinal, um dos efeitos da crise asiática é a queda nos preços do petróleo e de quase todas as matérias-primas, além do barateamento das importações. A crise global reduz os custos na economia norte-americana.
Mas há uma exceção, um custo fundamental que tem sido cada vez mais pressionado: os salários. Como não é possível nem politicamente desejável importar trabalhadores, a única forma de evitar essa pressão é esfriar a economia, aumentando as taxas de juros.
Fim de ciclo
A economia dos EUA dá vários sinais de esgotar um ciclo de crescimento. Em tese, inflação não deveria ser motivo de preocupação numa economia que esfria naturalmente. Mas há dois riscos que os banqueiros centrais norte-americanos levam em consideração.
O primeiro e mais evidente é o de que uma superação gradual da crise asiática abra caminho para uma recuperação de preços em mercados de commodities, insumos industriais e energia. É possível que isso ocorra num momento em que os salários ainda estejam crescendo ou em que o mercado de trabalho dos EUA continue pressionado. Sem o alívio de custos nos importados, a pressão salarial rapidamente se traduziria em inflação. O Fed seria obrigado a apagar o fogo, quando a rigor sua missão é evitá-lo.
Há outro risco importante, associado às diferenças de ritmo entre os setores da economia. Os consumidores e as empresas, por exemplo, gastam cada vez mais, embora a renda depois dos impostos venha caindo (veja quadro ao lado).
Quem gasta mais do que ganha está vivendo uma euforia. No caso dos EUA, a euforia tem origem na festa de valorização da Bolsa de Valores e num nível recorde de endividamento. Com as taxas de juros muito baixas, há também uma demanda aquecida por imóveis. Aliás, o relatório de julho do Fed menciona claramente a existência de uma onda especulativa no setor imobiliário.
A crise na Ásia é um bom exemplo de como o crescimento com base em dívidas e euforia pode acabar mal. O Fed está convencido de que, se esperar muito, a bolha nos EUA também pode ter um desfecho impróprio. Subir os juros é uma forma de furar a bolha. E torcer para que ela apenas murche, ordeira e silenciosamente.



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