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OPINIÃO ECONÔMICA
Jó
JOÃO SAYAD
Perdeu os filhos, ficou doente,
a pele ficou coberta de chagas.
Um homem sem pecados, temente a Deus. Por que Deus castigava Jó?
Os amigos suspeitavam que Jó
mentia, que escondia pecado
imperdoável. Deus não castigaria homem puro.
A mulher impaciente queria
que Jó negasse Deus. Que adorasse outros deuses, que pedisse
ajuda ao diabo.
A fé de Jó aguentou tudo. Sarou e Deus lhe deu mais filhos.
Por que Jó sofreu tanto? Quem
somos nós para entender os desígnios de Deus?
CPI dos bancos, grampo do
BNDES, Ford na Bahia, greve
dos caminhoneiros, críticas externas e internas de aliados e
ministros, passeata dos ruralistas, caminhada do MST até Brasília, conflito com o Judiciário.
Por que só agora o governo é
alvo de todas as críticas? Por que
interesses fragmentados e desarticulados explodem de todos os
lados, em todas as regiões, entre
empresários industriais e rurais,
entre trabalhadores e sem-terra,
entre governadores e prefeitos?
Como entender a crise política?
A economia está melhor do
que antes da desvalorização
cambial, quando crise política
não havia.
Não existe ameaça aguda ou
perigosa, como o câmbio em
1997 e 1998. A indústria está menos enfraquecida em face da
concorrência internacional. A
agricultura vende a preços
maiores em moeda nacional.
Se o emprego não cresceu até
agora, pelo menos estamos livres
da sobrevalorização, que destruía muitos postos de trabalho.
A inflação está muito bem.
Basta olhar para o índice certo,
o custo de vida da Fipe. As projeções indicam 7%, ótimo para
um país que desvalorizou quase
50%.
A taxa de juros caiu rapidamente. O câmbio oscila, embora
tenha subido muito na semana
passada, exatamente por causa
da crise política.
A destruição da economia nacional, o desemprego e as taxas
de juros escorchantes ocorreram
em 97 e 98. Por que a crise política ocorre em julho de 1999?
As reformas foram aprovadas.
Falta apenas a reforma tributária, que o governo não tem condições de coordenar, exatamente por causa da crise política.
Funcionário público é demissível, prefeito que se endivida
poderá ser preso, as regras da
aposentadoria foram alteradas,
tudo foi privatizado. Por que a
direita retira o apoio?
Será por causa do fiasco das
privatizações? Empresas siderúrgicas administradas por investidores financeiros, mineradoras administradas por banqueiros, telefônicas administradas por "traders", pedágios muito caros em estradas com investimentos atrasados.
A crise vem dos apagões do Rio
de Janeiro, da confusão no DDD
e dos serviços da Telefônica?
Nunca acreditei que privatizar
fosse solução, mas a direita deveria ter mais paciência, esperar
os efeitos das reformas que tanto
queria. Neoliberais são pusilânimes?
Por que trabalhadores, sem-terra e excluídos se mexem apenas agora, quando todos começam a mudar de idéia, e até o
PFL propõe ataque à pobreza?
Talvez o governo tenha se tornado burocrático e esquecido
que vida política exige exceções,
sensibilidade e flexibilidade.
Ou então não conseguimos entender nada por causa dessa
obstinada mania de imaginar
que causas antecedem efeitos e
que cessada a causa cessaria o
efeito.
Pode ser que a crise resulte da
falta de crise.
Não temos pelo que torcer: não
há câmbio fixo, o Congresso não
precisa aprovar crueldades. Não
temos eleições. Nem inflação.
Resolvemos os desafios mais
difíceis e continuamos na mesma. Desemprego, falta de crescimento, ruas sujas e estreitas, assaltos e pobreza. Nada melhorou e não temos o que dizer.
A crise pode ser carência de
ameaça, desafio, bode expiatório, programa, obra, plano, projeto. Teremos a força de Jó para
suportar por muito tempo a falta de sentido e direção?
jsayad@ibm.net
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