São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Política na crise da dívida dos EUA


Pacotão não dá conta de efeitos na economia "real", onde se vai decidir o destino político da crise financeira

NA SEXTA-FEIRA , procurava-se dar ares de grandeza e heroísmo, digamos, à ação anticrise do governo americano, ora nas mãos do secretário do Tesouro, Henry Paulson, para muitos efeitos práticos. A pose era de sentimento de gravidade, de pundonor apolítico, "bipartidário". Durou pouco. O pega para capar começou logo na virada da sexta para sábado. "Dinheiro na mão é vendaval / irmão desconhece irmão", dizia Paulinho da Viola. A finança quer impor termos na sua rendição, que porém deveria ser incondicional, dado o desastre, que de tão grande fez o Goldman Sachs e o Morgan Stanley se renderem à supervisão e ao controle do Fed. O Partido Democrata quer "cláusulas sociais" no pacotão. Nem "sociais" são pois, se não houver renegociação da dívida dos compradores de casa, tende a haver mais calotes e, assim, mais desvalorização do papelório imobiliário e conexos, com mais tombos para o sistema financeiro. Ou para quem ficar com o mico da dívida, que ora se imagina seja o Tesouro dos EUA. Em troca do mico, os Democratas propõem estatização temporária de parte do setor financeiro. Talvez não exista saída. Paulson sugeriu que Congresso lhe desse o mandato de sultão da economia, com poderes discricionários para gastar centenas de bilhões de dólares, imune a eventuais punições da Justiça e dando apenas satisfações semestrais ao Congresso. Os americanos honestos de todas as classes e preferências políticas, já horrorizados com estatizações e dinheiro público na roda do mercado, ainda veriam tal violência contra seu sistema de contrapesos políticos e prestação de contas. Mas é difícil imaginar como a enorme liquidação estatal da muito complexa dívida privada poderia ocorrer de outra forma em hora tão crítica e emergencial. Se Paulson não for o sultão, terá de haver alguma espécie de grão-vizir da crise da dívida. Também caiu a ficha do dilema da estatização da dívida. O pacotão de Paulson é um abrigo contra o pior dia de um furacão. Não resolve os estragos diluvianos que vão restar. Se o governo paga demais pela dívida, fica com muito mico e mima os ricos. Se paga pouco, quebra mais a finança. De qualquer modo, um pouco mais ou menos, os bancos ficam com capital escasso e ofertarão pouco crédito (o que dá em mais recessão), para nem mencionar que terão de recriar seu modelo de negócios. A fim de que o capital dos bancos não murche ainda mais, o governo não só levaria a dívida podre como gastaria mais para se tornar acionista. Em vez de subir para 7% do PIB, o déficit do governo dos EUA iria a uns 9%. Os americanos ficariam, assim, mais dependentes de chineses, japoneses e árabes petrolíferos para girar sua dívida, para nem tratar dos efeitos macroeconômicos da lambança (em dólar, juros etc.). Apesar da falação sobre "morte do neoliberalismo" e outras vulgaridades intelectuais, mal se vê reação articulada à falência moral do mercadismo -o debate no Congresso dos EUA é "politics as usual". Não há à vista atores políticos fortes que preguem mudanças maiores, nem um movimento de idéias alternativo. Se a crise não devastar a economia "real", pode bem ser que o atual tumulto termine como um sussurro, e não como uma explosão política.

vinit@uol.com.br



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