São Paulo, quarta-feira, 23 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Pronto para crescer; pronto para quebrar

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Um grupo de analistas, entre os quais me incluo, defendeu durante os últimos dois anos a idéia de que a economia brasileira estava pronta para crescer.
O grupo baseou seu julgamento em duas ordens de razões: o novo regime de políticas macroeconômicas, vigente desde 1999; e, num outro plano, a extensão e profundidade da reestruturação verificada nas empresas nos últimos 10 a 12 anos.
Quanto às políticas macroeconômicas, saliento aqui alguns pontos.
Após a megadesvalorização de 1999, o câmbio deixou de refrear as exportações, e abriu-se espaço para a correção do déficit, até então galopantemente crescente, do balanço de transações correntes. Além disso, à medida que a economia voltasse a se defrontar com situações adversas no mercado internacional (como veio a ocorrer), em vez de ser obrigada a elevar fortemente o juros (o que enforca a atividade privada e acelera o crescimento da dívida pública), poderia deixar o ajuste verificar-se via desvalorizações adicionais do câmbio. É como se a economia passasse a operar com um outro pára-choques, mais flexível e com menos efeitos colaterais negativos. O regime de metas inflacionárias, de sua parte, também assegurava mais resiliência à economia: pressões localizadas de custos poderiam ser excepcionalmente acolhidas (via revisão das metas), sem que a função coordenadora da política monetária fosse seriamente prejudicada.
Finalmente, a virada fiscal a partir de 1998 permitia, em princípio, que a perigosa escalada da relação entre a dívida pública e o PIB fosse detida -sendo para isso necessário que a economia voltasse a crescer e os juros (como de fato ocorreu) baixassem significativamente.
No tocante à extensão das reformas levadas a efeito nas empresas, escrevi diversas vezes nesta coluna, e não caberia aqui voltar ao tema. Entre as fontes a comprová-la, dispomos hoje do relatório CNI-Finep de 2002.
Em suma, dotada de um regime razoavelmente consistente de políticas macroeconômicas e com o tecido empresarial rejuvenescido, a economia parecia preparada para crescer. Ledo engano. Neste exato momento parece mais apta a "quebrar" (por exaustão das reservas líquidas -conceito que exclui os recursos do Fundo Monetário Internacional) que a crescer. Por quê?
O futuro dirá se o regime de políticas macroeconômicas revelou sérias inconsistências. Não me parece ser o caso. Num mundo brutalmente adverso, o pára-choque do câmbio tem contribuído para uma notável virada do balanço de transações correntes; as metas inflacionárias têm sido revistas, e, dada a intensidade das desvalorizações ocorridas, os resultados não chegam a ser alarmantes; quanto ao ajuste fiscal, talvez tenha que ser um pouco reforçado -o que seria antes uma adaptação que uma mudança.
Enquanto isso, incessantemente se noticia a reformulação de estratégias empresariais, com realce para a maior importância concedida ao mercado externo. O teor das informações não deixa dúvidas quanto ao fato de que não se trata de mero deslocamento das vendas para o exterior. É redirecionamento estratégico, mesmo -o que, aliás, sugere o aproveitamento de novas aptidões, conquistadas na reestruturação.
Chegado a esse ponto, não há como escapar à incômoda questão. Afinal, o que deu errado? E aqui abandonemos de vez as certezas. Sabemos, apenas, que há, no curto prazo, três possíveis explicações (ingredientes), a serem combinados segundo as preferências de cada um: fragilidade do ajustamento brasileiro (dos fundamentos, na linguagem dos economistas); aumento mundial da aversão ao risco; e dúvidas levantadas pelas eleições.
Uma coisa apenas é certa: não se sabe, absolutamente, como se formam e como mudam as expectativas, de forma que situações caracterizadas por grande excitação são particularmente imprevisíveis. Ou, dito de outra maneira, quanto mais a economia se distancia da normalidade, mais instáveis as relações nela compreendidas.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.

Texto Anterior: BC acumula perda de R$ 12 bi desde maio
Próximo Texto: Agricultura: China impõe restrição a transgênicos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.