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ARTIGO
Brasil precisa deixar de lado o preconceito contra os EUA
PETER HAKIM
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
Nas últimas semanas o
Brasil demonstrou amplamente sua poderosa influência
nas negociações de comércio regionais e globais. Mas essa influência terá vida curta e será inconsequente se o país não adotar
medidas para superar sua reputação de estraga-festas, mais inclinado a prejudicar do que a facilitar as negociações. Luiz Inácio
Lula da Silva conquistou elogios
por suas políticas macroeconômicas, que recuperaram a credibilidade do Brasil nos mercados
internacionais. Agora precisa desenvolver uma política comercial
que igualmente mereça respeito.
No mês passado o Brasil foi considerado o principal vilão no fracasso de duas conferências de comércio internacional importantes, cujos resultados decepcionantes ameaçam o futuro das negociações globais e regionais para
o livre comércio. Na reunião ministerial da OMC (Organização
Mundial do Comércio), em Cancún, o Brasil liderou um grupo de
mais de 20 países em desenvolvimento que exigiam mudanças
nas políticas comerciais americanas, européias e japonesas, especialmente o fim dos subsídios à
produção e à exportação.
Segundo autoridades americanas, o Brasil e os outros participantes do grupo, que incluía alguns dos países mais protecionistas do mundo, queriam marcar
pontos retóricos, mais que chegar
a um acordo. Na opinião americana, eles acabaram derrubando as
negociações ao criar uma atmosfera polarizada e hostil que colocou os países ricos e pobres em
antagonismo. A equipe brasileira
alienou Washington ainda mais
quando, ao voltar para casa, adotou uma atitude triunfante, reivindicando vitória para o mundo
em desenvolvimento.
Essa interpretação de Washington é claramente unilateral. Para
ser justo com o Brasil, os EUA e
outros países ricos não ofereceram muito em Cancún. Todo observador independente viu Cancún como um fracasso que teve
muitos pais. Mas, se o Brasil estava tentando encontrar um campo
comum com Washington, isso
parece ter escapado aos negociadores americanos. Essa talvez seja
uma razão suficiente para se
questionar a estratégia brasileira.
Uma semana depois, em Trinidad e Tobago, onde 34 países se
reuniram para discutir a Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas), não houve ambiguidade sobre o Brasil. O país fez a
reunião fracassar.
Reagindo à recusa dos EUA a
incluir os subsídios agrícolas na
agenda, o Brasil exigiu que as negociações da Alca se limitem ao
mínimo essencial. Em Cancún
havia alguma base para a afirmação dos diplomatas brasileiros de
que estavam prontos para negociar, mas também decididos a defender os interesses do país. Em
Port of Spain, pareciam estar apenas defendendo uma ideologia
anticomércio e anti-EUA.
O Brasil pode ter um papel central nas negociações globais e regionais. Seus negociadores exibem um impressionante leque de
habilidades diplomáticas e políticas, assim como um excelente comando dos detalhes técnicos. Mas
o Brasil não pode liderar -na
verdade, não encontrará seguidores- se não ajudar a solucionar
os difíceis problemas comerciais,
em vez de bloquear o caminho
quando discorda das soluções dos
outros. Se mantiver seu curso
atual, o Brasil ficará de lado.
O governo brasileiro precisa se
livrar de preconceitos ideológicos
sobre comércio e sobre negociar
com os EUA.
Peter Hakim é presidente da organização Inter-American Dialogue.
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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