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São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2003

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ARTIGO

Brasil precisa deixar de lado o preconceito contra os EUA

PETER HAKIM
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Nas últimas semanas o Brasil demonstrou amplamente sua poderosa influência nas negociações de comércio regionais e globais. Mas essa influência terá vida curta e será inconsequente se o país não adotar medidas para superar sua reputação de estraga-festas, mais inclinado a prejudicar do que a facilitar as negociações. Luiz Inácio Lula da Silva conquistou elogios por suas políticas macroeconômicas, que recuperaram a credibilidade do Brasil nos mercados internacionais. Agora precisa desenvolver uma política comercial que igualmente mereça respeito.
No mês passado o Brasil foi considerado o principal vilão no fracasso de duas conferências de comércio internacional importantes, cujos resultados decepcionantes ameaçam o futuro das negociações globais e regionais para o livre comércio. Na reunião ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), em Cancún, o Brasil liderou um grupo de mais de 20 países em desenvolvimento que exigiam mudanças nas políticas comerciais americanas, européias e japonesas, especialmente o fim dos subsídios à produção e à exportação.
Segundo autoridades americanas, o Brasil e os outros participantes do grupo, que incluía alguns dos países mais protecionistas do mundo, queriam marcar pontos retóricos, mais que chegar a um acordo. Na opinião americana, eles acabaram derrubando as negociações ao criar uma atmosfera polarizada e hostil que colocou os países ricos e pobres em antagonismo. A equipe brasileira alienou Washington ainda mais quando, ao voltar para casa, adotou uma atitude triunfante, reivindicando vitória para o mundo em desenvolvimento.
Essa interpretação de Washington é claramente unilateral. Para ser justo com o Brasil, os EUA e outros países ricos não ofereceram muito em Cancún. Todo observador independente viu Cancún como um fracasso que teve muitos pais. Mas, se o Brasil estava tentando encontrar um campo comum com Washington, isso parece ter escapado aos negociadores americanos. Essa talvez seja uma razão suficiente para se questionar a estratégia brasileira.
Uma semana depois, em Trinidad e Tobago, onde 34 países se reuniram para discutir a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), não houve ambiguidade sobre o Brasil. O país fez a reunião fracassar.
Reagindo à recusa dos EUA a incluir os subsídios agrícolas na agenda, o Brasil exigiu que as negociações da Alca se limitem ao mínimo essencial. Em Cancún havia alguma base para a afirmação dos diplomatas brasileiros de que estavam prontos para negociar, mas também decididos a defender os interesses do país. Em Port of Spain, pareciam estar apenas defendendo uma ideologia anticomércio e anti-EUA.
O Brasil pode ter um papel central nas negociações globais e regionais. Seus negociadores exibem um impressionante leque de habilidades diplomáticas e políticas, assim como um excelente comando dos detalhes técnicos. Mas o Brasil não pode liderar -na verdade, não encontrará seguidores- se não ajudar a solucionar os difíceis problemas comerciais, em vez de bloquear o caminho quando discorda das soluções dos outros. Se mantiver seu curso atual, o Brasil ficará de lado.
O governo brasileiro precisa se livrar de preconceitos ideológicos sobre comércio e sobre negociar com os EUA.


Peter Hakim é presidente da organização Inter-American Dialogue.
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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