São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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ARTIGO

Mercado de trabalho depende de avanço mais acelerado

CLAUDIO SALVADORI DEDECCA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No final de 2003, eram observados sinais razoavelmente consistentes sobre a trajetória de recuperação da economia brasileira para este ano. A controvérsia existente centrava-se na intensidade da recuperação. Alimentada pelo setor externo, estimava-se que seu alcance seria limitado, podendo até não atingir os 3,5% projetados. Apontava-se para a necessidade de recuperação do mercado interno, seja para tornar mais elevada a taxa de crescimento para 2004, seja para reduzir o risco de comprometimento do desempenho econômico por uma mudança no cenário internacional.
A recuperação da economia brasileira tem surpreendido, menos pelo comportamento do mercado interno, que continua mostrando fraco desempenho, e mais pelo crescimento esplêndido das exportações.
A performance do mercado interno é explicada pela ausência de uma política de governo mais consistente de estímulo ao consumo e ao investimento, comportamento alvo de críticas recorrentes do empresariado e dos trabalhadores.
Em suma, no início deste ano, havia razoável convergência das expectativas quanto ao crescimento da economia e, também, quanto aos seus efeitos favoráveis sobre o mercado de trabalho. Para um crescimento em torno de 3,5% em 2004, a queda do desemprego estaria associada à criação de empregos formais, mas continuaria dependente da geração de outras formas de ocupação. Ademais, considerava-se que uma taxa de crescimento nesse patamar não seria suficiente para permitir, simultaneamente, a queda do desemprego com o aumento do rendimento médio real do trabalho. O prognóstico mais favorável era de recuperação da ocupação com aumento da informalidade, queda do desemprego e estabilidade do rendimento real.
Decorridos nove meses, é possível afirmar que essa projeção tem sido fielmente ratificada. Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram, em face de uma variação anualizada da população economicamente ativa de 2,1% no conjunto das regiões metropolitanas, modificações no desemprego de -9,5%, na ocupação total de 3,8%, no emprego formal de 2,5% e estabilidade do rendimento médio real.
É pouco provável que essa tendência seja modificada ainda neste ano. Se, por um lado, é esperada uma melhora do nível de atividade do comércio e dos serviços, é certo, por outro, que a agricultura e a indústria deverão conviver com uma desaceleração sazonal. Ademais, a política monetária, expressa na elevação dos juros, aponta que a taxa de crescimento será monitorada em torno de 4% para 2004. Portanto o desemprego deverá continuar caindo até dezembro, movimento garantido por uma elevação da informalidade de modo complementar ao crescimento do emprego formal, num contexto de estabilidade do rendimento médio real do trabalho.
Explicita-se, desse modo, a insuficiência do crescimento atual para uma recomposição mais consistente do mercado nacional de trabalho. Para que fosse observado esse movimento, seria preciso um crescimento capaz de garantir o aumento da produtividade concomitante com a elevação do emprego formal, razoavelmente superior ao incremento da população economicamente ativa. Assim, estaria aberta uma janela de oportunidade para a queda do desemprego com a redução da informalidade e com a elevação do rendimento médio real do trabalho.
Um crescimento mais acelerado não se encontra presente no campo de preocupações da política econômica atual. E, portanto, não se deve esperar que ela adote medidas que possam favorecer o melhor desempenho do mercado de trabalho, no médio prazo, que pudesse produzir uma redução do desemprego suficiente para ser sentida pela população brasileira. Infelizmente, a questão do emprego não tem sido uma prioridade da política econômica. Caso isso tivesse ocorrido, seus gestores já teriam percebido a insuficiência do crescimento por eles imposto à nação e teriam alargado seu campo de ações para além da política monetária.


Claudio Salvadori Dedecca é professor e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).


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