São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Empresários acidentais

GESNER OLIVEIRA

É difícil deixar de comentar o novo erro do Copom (Comitê de Política Monetária), de elevar a taxa primária de juros de 16,25% para 16,75%, nesta semana. Mas convém chamar a atenção para o fato de que, a despeito de todas as dificuldades (inclusive juros muito maiores do que 16,75%), as pequenas e médias empresas teimam em aparecer nas estatísticas.
Esse fato é ilustrado em relatório divulgado recentemente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) acerca do Cempre (Cadastro Central de Empresas), que contém dados de cerca de 5 milhões de empresas e outras organizações ativas em 2002. O documento está disponível em www.ibge.gov.br.
O estudo do IBGE mostra que a esmagadora maioria das empresas no Brasil (85%) é formada por pequenas unidades, definidas como aquelas que tem até quatro pessoas ocupadas. As empresas de menor porte nascem em maior número, mas são também as que morrem com maior facilidade. Confirmando estudos anteriores, os dados do IBGE mostram como tais empresas têm maiores taxas de natalidade (19,1%) e de mortalidade (12,5%) comparativamente às grandes. As unidades com mais de cem pessoas ocupadas apresentam taxas de natalidade e mortalidade de 1,8% e 1,5%, respectivamente.
Dos 4,5 milhões de empresas ativas (excluindo-se outras organizações), 3,1 milhões (69%) funcionavam sem empregados, isto é, apenas com seus proprietários. Entre as empresas novas, nada menos do que 85% não possuíam empregados com vínculo empregatício e eram constituídas apenas por sócios e/ou proprietários.
Outro estudo do IBGE, "As micro e pequenas empresas comerciais e de serviços no Brasil", já havia mostrado o aumento da participação das micro e pequenas empresas (MPE). No segmento de comércio e serviços, as MPE passaram de 19% da geração de receita, em 1985, para 19,8%, em 1994, e 22,3%, em 2001. A participação no pessoal ocupado cresceu de forma impressionante: de 50,7%, em 1985, passou a 60,8%, em 2001!
Diferentemente daquilo que se pensa freqüentemente, haverá sempre espaço para a pequena e média empresa na economia capitalista moderna. As pequenas unidades são complementares em vários sentidos às grandes empresas. Porém os números do IBGE sugerem peculiaridades no caso brasileiro associadas a dois problemas específicos.
Em primeiro lugar, e conforme assinalado pelos trabalhos do IBGE e outras instituições, a formação de um pequeno negócio constitui com freqüência uma alternativa para alguém que perdeu o emprego e não encontra recolocação. Em segundo lugar, as enormes cargas tributária e previdenciária sobre a folha de pagamento criam um estímulo exagerado à transformação de empregados em fornecedores de serviços. Pelo exagero no Brasil de taxação do emprego, cria-se uma tendência à "superterceirização" das empresas maiores, muito além daquilo que seria recomendável pelas melhores práticas organizacionais.
Assim, de forma involuntária e artificial, desempregado e empregado se tornam empresários. Se não lhes falta espírito empreendedor, carecem, contudo, de condições mínimas de capital, planejamento empresarial e ambiente institucional favorável para crescer e prosperar. Não bastasse isso, uma burocracia kafkiana os aguarda nas três esferas de governo, procurando abocanhar de todas as maneiras uma parcela do valor criado. O resultado é conhecido: altas taxas de mortalidade e informalidade e baixa produtividade, em prejuízo do crescimento econômico.
Diante desse quadro, a tendência perversa é criar mecanismos especiais para as pequenas e médias empresas. Embora seja um alívio, isso não resolve. O mal precisa ser atacado pela raiz, eliminando o excesso de carga tributária e de burocracia que incide sobre toda e qualquer atividade produtiva.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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