São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Negociações da OMC, da Alca e com a Europa vão exceder prazos estabelecidos; Celso Amorim descarta fracasso

Brasil perde 3 acordos, mas não vê "desastre"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

O chanceler Celso Amorim costuma chamar a atenção, da mesma forma que seus dois antecessores mais recentes, para o fato de que nunca o Brasil esteve envolvido em um conjunto de negociações comerciais tão abrangentes e complexas como ocorre agora.
Há uma negociação global, a chamada Rodada Doha, no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio), que abriga 148 países. Há uma negociação regional, que envolve os 34 países americanos (excluída apenas Cuba) para formar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), e há uma negociação inédita, para criar uma zona de livre comércio entre duas regiões separadas por um oceano (o acordo entre o Mercosul e a União Européia).
Com o fracasso desta última em cumprir o cronograma estabelecido pelas partes (31 de outubro), as três negociações têm dois pontos em comum: 1) Deveriam todas terminar em 2004 ou início de 2005; 2) Nenhuma delas vai terminar no prazo.
É um fracasso da política comercial brasileira? O governo responde que não e joga com os números recordes da balança comercial para justificar a negativa.
Mesmo assim, até um alto funcionário como Ivan Ramalho (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) afirma que "o Brasil só poderá manter o ritmo de crescimento das exportações [de 30%] se forem concluídas com êxito as negociações em curso".
Em tese, portanto, perder o prazo (na verdade, os prazos) pode ter repercussões importantes. Mas o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, principal responsável pelas negociações comerciais, insiste sempre em que, entre prazo e substância dos acordos, prefere a substância.
"Se não fizer o acordo com a União Européia agora, faz em dois anos ou três anos. Não vai ser nenhum desastre", diz. Além disso, o ministro lembra sempre que é injusto culpar o Brasil pelo fracasso em fechar acordos nos prazos inicialmente estabelecidos.

Prioridade política
Pelo menos no caso da União Européia, concorda um analista externo, Pedro de Camargo Netto (Sociedade Rural Brasileira).
"Sem prioridade política não se faz acordo de comércio. Não existe no Brasil, nos Estados Unidos e na União Européia interesse político. Não é culpa do governo brasileiro que não saiu; nenhum dos três queria que saísse", afirma esse empresário que é um dos maiores especialistas brasileiros em negociações comerciais, tanto pelo setor privado como, na gestão anterior, pelo governo.
Se as culpas podem ser divididas no caso da Europa, em relação ao atraso da Alca há duas visões diferentes no empresariado e no governo. Para uma parte do empresariado, que esperava se beneficiar do acordo com os Estados Unidos, houve resistência ideológica do Itamaraty.
Responde Régis Arslanian, negociador-chefe com o a União Européia e um dos principais negociadores também na Alca:
"Não tem nada a ver com ideologia, mas com o fato de que a Alca começou como negociação de acesso a mercado, mas a agenda cresceu para incluir serviços, investimentos, compras governamentais, propriedade intelectual, políticas de concorrência. O objetivo da Alca era muito mais criar marcos normativos hemisféricos do que liberalizar comércio".
Ou, posto de outra forma, se havia uma questão ideológica, ela está presente na pressão do outro lado. Ou, como diz Amorim, "negociação comercial é uma expressão enganosa. É muito mais complexo do que comércio".
De fato, se a Alca invadir territórios como os citados por Arslanian, o Brasil pode perder instrumentos para fazer políticas industriais, tecnológicas ou de saúde.
Além disso, o chanceler diz que a paralisia da Alca está diretamente ligada ao processo eleitoral norte-americano (governo algum faz concessões liberalizantes durante o período eleitoral).
Já na OMC, ninguém ousa falar em fracasso. Até críticos da política comercial admitem que a criação do G20 (o grupo de países em desenvolvimento que luta pela abertura agrícola dos países ricos) foi um ponto importante em favor do Brasil.
Mas a polêmica sobre as prioridades na política externa (e, por extensão, na comercial) não morreu com o adiamento dos prazos. Ao contrário, só ficou transferida para 2005 -ano que promete movimentação ainda mais intensa e nervosa do que a de 2004.


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