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COMÉRCIO EXTERIOR
Negociações da OMC, da Alca e com a Europa vão exceder prazos estabelecidos; Celso Amorim descarta fracasso
Brasil perde 3 acordos, mas não vê "desastre"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA
O chanceler Celso Amorim costuma chamar a atenção, da mesma forma que seus dois antecessores mais recentes, para o fato de
que nunca o Brasil esteve envolvido em um conjunto de negociações comerciais tão abrangentes e
complexas como ocorre agora.
Há uma negociação global, a
chamada Rodada Doha, no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio), que abriga 148
países. Há uma negociação regional, que envolve os 34 países americanos (excluída apenas Cuba)
para formar a Alca (Área de Livre
Comércio das Américas), e há
uma negociação inédita, para
criar uma zona de livre comércio
entre duas regiões separadas por
um oceano (o acordo entre o
Mercosul e a União Européia).
Com o fracasso desta última em
cumprir o cronograma estabelecido pelas partes (31 de outubro),
as três negociações têm dois pontos em comum: 1) Deveriam todas terminar em 2004 ou início de
2005; 2) Nenhuma delas vai terminar no prazo.
É um fracasso da política comercial brasileira? O governo responde que não e joga com os números recordes da balança comercial para justificar a negativa.
Mesmo assim, até um alto funcionário como Ivan Ramalho
(Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior)
afirma que "o Brasil só poderá
manter o ritmo de crescimento
das exportações [de 30%] se forem concluídas com êxito as negociações em curso".
Em tese, portanto, perder o prazo (na verdade, os prazos) pode
ter repercussões importantes.
Mas o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, principal
responsável pelas negociações comerciais, insiste sempre em que,
entre prazo e substância dos acordos, prefere a substância.
"Se não fizer o acordo com a
União Européia agora, faz em
dois anos ou três anos. Não vai ser
nenhum desastre", diz. Além disso, o ministro lembra sempre que
é injusto culpar o Brasil pelo fracasso em fechar acordos nos prazos inicialmente estabelecidos.
Prioridade política
Pelo menos no caso da União
Européia, concorda um analista
externo, Pedro de Camargo Netto
(Sociedade Rural Brasileira).
"Sem prioridade política não se
faz acordo de comércio. Não existe no Brasil, nos Estados Unidos e
na União Européia interesse político. Não é culpa do governo brasileiro que não saiu; nenhum dos
três queria que saísse", afirma esse empresário que é um dos maiores especialistas brasileiros em negociações comerciais, tanto pelo
setor privado como, na gestão anterior, pelo governo.
Se as culpas podem ser divididas no caso da Europa, em relação
ao atraso da Alca há duas visões
diferentes no empresariado e no
governo. Para uma parte do empresariado, que esperava se beneficiar do acordo com os Estados
Unidos, houve resistência ideológica do Itamaraty.
Responde Régis Arslanian, negociador-chefe com o a União Européia e um dos principais negociadores também na Alca:
"Não tem nada a ver com ideologia, mas com o fato de que a Alca começou como negociação de
acesso a mercado, mas a agenda
cresceu para incluir serviços, investimentos, compras governamentais, propriedade intelectual,
políticas de concorrência. O objetivo da Alca era muito mais criar
marcos normativos hemisféricos
do que liberalizar comércio".
Ou, posto de outra forma, se havia uma questão ideológica, ela
está presente na pressão do outro
lado. Ou, como diz Amorim, "negociação comercial é uma expressão enganosa. É muito mais complexo do que comércio".
De fato, se a Alca invadir territórios como os citados por Arslanian, o Brasil pode perder instrumentos para fazer políticas industriais, tecnológicas ou de saúde.
Além disso, o chanceler diz que
a paralisia da Alca está diretamente ligada ao processo eleitoral norte-americano (governo algum faz
concessões liberalizantes durante
o período eleitoral).
Já na OMC, ninguém ousa falar
em fracasso. Até críticos da política comercial admitem que a criação do G20 (o grupo de países em
desenvolvimento que luta pela
abertura agrícola dos países ricos)
foi um ponto importante em favor do Brasil.
Mas a polêmica sobre as prioridades na política externa (e, por
extensão, na comercial) não morreu com o adiamento dos prazos.
Ao contrário, só ficou transferida
para 2005 -ano que promete
movimentação ainda mais intensa e nervosa do que a de 2004.
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