São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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BARRIL DE PÓLVORA

Ao contrário dos anos 70, hoje os bancos centrais têm credibilidade e políticas confiáveis para combater inflação

Mundo já sabe enfrentar crise de combustíveis

ANDREW BALLS
CHRIS GILES
DO "FINANCIAL TIMES"

A alta nos preços do petróleo vem dominando, neste ano, as discussões em bancos centrais de todo o mundo. Desde janeiro, as autoridades monetárias tiveram de se acostumar à idéia de preços do petróleo que se sustentaram primeiro no patamar dos US$ 30, e a seguir, chegaram aos US$ 40 e, agora, aos US$ 50 por barril.
A alta nos preços do petróleo cru desacelerou o crescimento e contribuiu para a elevação da inflação, mas os dirigentes de bancos centrais não tiveram de enfrentar a pouco saborosa escolha entre estagnação e inflação acelerada que seus predecessores confrontaram nos anos 70 -a década em que foi cunhado o termo "estagflação".
Parte da razão é que os bancos centrais conquistaram muito mais credibilidade no combate à inflação do que tinham nos anos 70. A crença pública de que a inflação não está a ponto de decolar torna muito menos dolorosa a relação entre o crescimento econômico e os efeitos inflacionários da alta nos preços do petróleo.
Nos anos 70, muitos bancos centrais e governos tentaram acomodar a alta do petróleo por meio de taxas de juros mais baixas, o que contribuiu para a espiral inflacionária de preços e salários.
Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), declarou em discurso na semana passada que, embora tenha causado impacto no crescimento e na inflação, o efeito geral da alta do petróleo, até o momento, "provavelmente terá menos conseqüências para o crescimento econômico e a inflação do que foi o caso nos anos 70".
Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, foi menos otimista em pronunciamento feito na semana passada, mas expressou mais preocupação quanto ao impacto da alta do petróleo sobre o crescimento da zona do euro do que sobre a inflação, como prioridade da instituição que dirige.
Mervyn King, presidente do Banco da Inglaterra, empregou a linguagem tipicamente cautelosa dos dirigentes de bancos centrais em discurso realizado na semana passada, advertindo contra "complacência e arrogância". Mas o raciocínio no banco é que os eventos do começo dos anos 70 são exemplo impróprio para determinar o efeito dos preços do petróleo sobre a economia mundial.

Políticas confiáveis
Depois do colapso do sistema de Bretton Woods, em 1971, nenhuma economia importante tinha em vigor uma estrutura confiável de política monetária. Hoje em dia, todos os bancos centrais têm políticas confiáveis para o combate à inflação.
King disse que a estrutura monetária do Reino Unido, com uma meta simétrica para a inflação e um banco central independente, "ajudou a ancorar as expectativas à meta inflacionária".
Os aumentos nos preços comprimiram as margens de lucros da indústria e os orçamentos domiciliares, e intensificaram a relutância dos empregadores quanto a contratar trabalhadores, especialmente nos Estados Unidos, o que gera preocupações com relação ao crescimento.
Mas o aumento de 65% no preço do petróleo cru do começo do ano para cá (75%, se computado desde o começo de 2003), parece ter causado pouco impacto sobre as expectativas inflacionárias.
A maior credibilidade dos bancos centrais não é o único fator em ação para isso. O petróleo cru está muito abaixo de seu pico dos anos 70, se os preços forem ajustados pela inflação. O preço do petróleo foi elevado pela demanda, e não por problemas de restrição de oferta, e por isso deve cair à medida que o crescimento mundial se desacelerar.
A intensidade do uso do petróleo na indústria diminuiu severamente dos anos 70 para cá. E uma economia mais integrada em termos mundiais reduziu o poder de formação de preços tanto das empresas como dos trabalhadores.

Mais confiança nos BCs
Os mercados financeiros não estão muito preocupados quanto à ameaça inflacionária da alta do petróleo. Por exemplo, as taxas de juros de longo prazo dos EUA caíram do meio do ano para cá, à medida que as preocupações quanto a uma alta inicial na inflação básica se dissipavam, mesmo que o Fed esteja elevando a taxa básica de juros de curto prazo.
John Taylor, subsecretário do Tesouro norte-americano para assuntos internacionais, defendeu o argumento de que o mundo mudou, em recente conferência no Federal Reserve de St. Louis. "No passado, diante de um choque do petróleo, os dirigentes de bancos centrais tinham de enfrentar uma escolha desagradável entre tentar atenuar a perda de produção ou tentar resistir à pressão de alta nos preços. Em contraste, hoje em dia, no mundo todo, as pessoas confiam mais em que os bancos centrais não permitirão que choques como esse se transmitam de maneira a causar mais inflação no longo prazo."
Para manter a credibilidade de suas políticas de combate à inflação, os dirigentes de bancos centrais precisam ser mais cautelosos do que os funcionários dos ministérios das Finanças.
Ben Bernanke, influente membro do conselho do Fed, enfatiza a importância de expectativas inflacionárias bem estabelecidas. "Os dirigentes de bancos centrais precisam estar vigilantes quanto à possibilidade de efeitos secundários sobre os preços e salários, depois de um choque do petróleo. Se você tem certeza de que o aumento no preço do petróleo não afetará as expectativas inflacionárias de longo prazo, e que, conseqüentemente, os preços e salários deveriam permanecer estáveis depois de um choque, então talvez seja conveniente relaxar um pouco a política monetária, a fim de tentar devolver a economia ao caminho de potencial crescimento".
Ao mesmo tempo, o pensamento dos principais bancos centrais mundiais parece convergir quanto à idéia de que não é preciso pressa no aumento das taxas de juros, como resposta à alta nos preços do petróleo.
O Fed acredita que as taxas de juros deveriam subir gradualmente, ante o 1,75% atual, em ritmo determinado pelos números obtidos periodicamente, a fim de devolver os juros a um nível mais neutro e impedir o acúmulo de pressões inflacionárias com o passar do tempo.


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