São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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BARRIL DE PÓLVORA

Empresas intensificam a extração não-convencional para produzir óleo de solo arenoso em Fort McMurray

Canadá busca na areia solução para energia

SIMON ROMERO
DO "NEW YORK TIMES", EM FORT McMURRAY

Quando o jato da companhia Suncor Energy decola de Calgary toda manhã, é óbvio que o avião ruma para uma cidade pujante. O que já foi um dos recantos mais adormecidos da indústria de energia do Canadá está tendo um surto de desenvolvimento.
Os geólogos, petroleiros e engenheiros recém-formados que são transportados para o norte pelo jato da Suncor estão concentrados em um só objetivo: uma abordagem anticonvencional para produzir petróleo sugando o piche viscoso do solo arenoso ao redor de Fort McMurray -uma cidade de 50 mil habitantes onde a temperatura pode cair a 40 graus abaixo de zero no inverno.
Não é fácil e não é barato, e na maior parte das décadas de 80 e 90 não foi interessante tentar, porque havia muito petróleo cru disponível em fontes mais convenientes, e o preço de mercado era baixo demais para compensar o desenvolvimento em grande escala das areias alcatroadas.
Hoje ambos os lados da equação mudaram. As reservas de petróleo cru da América do Norte foram totalmente exploradas e desenvolvidas que os especialistas dizem que dificilmente restou alguma para descobrir. No resto do mundo, a maioria dos melhores lugares para perfurar em busca de petróleo está fora dos limites da indústria energética ocidental por motivos políticos.
Assim, com a crescente demanda global fazendo os preços da energia subir a níveis recordes e os novos suprimentos de petróleo cru tão difíceis de encontrar, a Suncor e mais de uma dúzia de outras companhias de energia, incluindo Exxon Mobil, ChevronTexaco e Royal Dutch/Shell, estão implementando projetos em Fort McMurray.
Sua produção já é crucial para o suprimento energético dos Estados Unidos. O fluxo de petróleo extraído das areias alcatroadas de Alberta, também chamadas areias oleosas, superou 1 milhão de barris por dia no final de 2003, e deverá duplicar para 2 milhões de barris até 2010 -equiparando-se à produção de membros importantes da Organização de Países Exportadores de Petróleo, como Líbia e Indonésia. Grande parte do petróleo vai para o sul, atravessando a fronteira americana.
Mas, enquanto os Estados Unidos aumentaram sua dependência da energia canadense -o Canadá já é seu maior fornecedor de petróleo e gás natural-, o frenesi do desenvolvimento das areias alcatroadas em Alberta salienta um fato incômodo sobre a busca de fontes de petróleo anticonvencionais para substituir o suprimento convencional cada vez menor: que os preços do petróleo continuarão altos por várias décadas.
Os economistas de energia em Calgary, a pujante capital comercial dessa província pouco populosa (3 milhões de habitantes), mas rica em energia, dizem que a maioria dos projetos de areia alcatroada é viáveis somente quando o petróleo está sendo vendido por mais de US$ 30 o barril.

Custos elevados
Muitas vezes custa até US$ 15 o barril para extrair betume, uma forma grossa e pegajosa de petróleo cru, das areias, enquanto os custos de recuperação para o petróleo cru em partes do Oriente Médio estão em US$ 2 o barril. Refinar o betume também custa muito mais que refinar o cru leve.
"A atração para um país como os Estados Unidos é que somos vizinhos, politicamente estáveis e amigos de empresas privadas", disse Peter Tertzakian, principal economista de energia da ARC Financial, uma firma de investimentos em Calgary. "O lado negativo é que é caro de produzir, e aberto a críticas dos ambientalistas, que consideram as areias alcatroadas grandes poluidoras."
As operações da Suncor oferecem um vislumbre do tamanho do empreendimento que é produzir petróleo na região. A companhia, sediada em Calgary, foi pioneira na exploração de areias alcatroadas nos anos 60, mas só nos últimos anos sua crescente produção a tornou influente na indústria de petróleo dos Estados Unidos.
A produção de suas areias alcatroadas está em média em 248 mil barris por dia. A Suncor adquiriu recentemente uma refinaria em Denver, capaz de processar o petróleo para que possa ser vendido em todo os Estados Unidos.
A maior parte da produção da Suncor vem de uma operação que parece uma imensa mina a céu aberto. Enormes caminhões transportam cargas de solo escavado com grandes pás, operando 24 horas por dia no ano todo.
A direção da Suncor, liderada por seu executivo-chefe, Richard L. George, enfatiza a produtividade em um impulso para reduzir os custos. As interrupções são caras: parar um caminhão custa à empresa até US$ 50 por minuto.
Os empregados da mina normalmente trabalham seis dias consecutivos de 12 horas, depois têm seis dias livres. O pagamento inicial é de 25 dólares canadenses (cerca de US$ 19) por hora.
O rápido desenvolvimento das areias alcatroadas trouxe milhares de recém-chegados a Fort McMurray e fez aumentar o preço das casas, que se tornaram um dos mais altos do Canadá.
"Depois do colégio fui embora, mas o dinheiro me trouxe de volta", disse Cynthia Deutsch, 29, motorista de caminhão e uma das raras pessoas nascidas e criadas em Fort McMurray.

Processo de produção
Água quente é utilizada para separar o betume da areia. Geralmente são necessárias cerca de duas toneladas de areia para produzir um barril de óleo.
Tanto gás natural e tanta eletricidade são utilizados para acionar as máquinas de derreter lama que as operações de areia alcatroada tornaram-se grandes contribuintes para as emissões de gases do efeito estufa pelo Canadá.
Como o país assinou o Protocolo de Kyoto em 2002, comprometendo-se a reduzir essas emissões, as companhias tomaram medidas como investir em tecnologia de redução de emissões.
A Suncor tornou-se uma das maiores desenvolvedoras do Canadá de eletricidade gerada pelo vento, contrabalançando os efeitos de suas operações.
Os críticos ambientalistas dizem que esses esforços são pouco mais que decorativos e nada fazem para aliviar a dependência da América do Norte do petróleo.
"Eles estão trabalhando no sentido inverso", disse Thomas Adams, diretor-executivo do Energy Probe, um grupo baseado em Toronto que promove a conservação de energia. "Aqueles que pensam que esta é a Arábia Saudita do mês vão ter um choque."
Os ambientalistas não são os únicos céticos. Algumas das maiores companhias de petróleo, como a BP, desistiram, notando que durante quase um século todas as tentativas de extrair petróleo pesado em escala comercial fracassaram, enchendo a área ao redor de Fort McMurray com tecnologias abandonadas. A cidade tem até um museu de equipamentos antigos, o Centro de Descobertas das Areias Alcatroadas.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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