São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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TRIBUTAÇÃO

Silvano Gianni, presidente do órgão, vê proposta de simplificação tributária como uma ação que precisa ir mais longe

Projeto não atinge as pequenas, diz Sebrae

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Silvano Gianni, presidente do Sebrae (Sistema Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) Nacional, diz que o projeto de lei complementar enviado pelo governo na semana retrasada ao Congresso para simplificar o regime tributário, previdenciário e trabalhista não atinge as pequenas empresas.
"Ele só beneficiará o empreendedor individual, o pipoqueiro, o camelô, a quituteira. É o primeiro passo, na direção certa, de um processo mais amplo."
Para tirar cerca de 9 milhões de empresas da informalidade, segundo Gianni, é necessário uma nova legislação que, além de promover a desoneração tributária para o setor, facilite o acesso ao crédito, à tecnologia e à Justiça.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Gianni.
 

Folha - O Brasil é considerado um dos piores lugares do mundo para fazer negócios, segundo relatório do Banco Mundial. A desoneração tributária proposta no projeto de lei da pré-empresa, anunciado na semana passada pelo governo, é suficiente para mudar esse quadro?
Silvano Gianni -
O projeto é um primeiro passo, muito modesto, na direção correta. É o primeiro degrau de uma escada maior que precisa ir mais longe para resolver a informalidade e a sustentabilidade das pequenas empresas. Esse projeto atende apenas as empresas com faturamento de até R$ 3.000 por mês. Nesse porte, nem se pode falar em empresa -trata-se de um empreendedor como um pipoqueiro, um camelô ou a quituteira que vive por conta própria. Esse valor diz respeito às vendas, e não ao ganho da empresa. Tirando os custos de produção, estamos falando de uma receita líquida de R$ 1.000 mensais. O pequeno empreendedor resolve sua questão com esse projeto. Não é uma grande desoneração fiscal, mas é uma forma adequada. O projeto vai atender a parcelas mais pobres de empreendedores.

Folha - E como ficam as pequenas empresas?
Gianni -
Esse projeto ainda não atende à pequena empresa. A amplitude do projeto é restrita, pois a informalidade está espalhada. Temos no Brasil uma informalidade absurda, pois a legislação não é adequada. Pesquisa do IBGE, de alguns anos atrás, mostra que há mais de duas empresas informais para cada uma formal. Como temos 4,6 milhões de empresas formais, há mais de 9 milhões de informais. São pequenas empresas que geram empregos, mas, sendo informais, não têm chances de crescer.

Folha - No que a legislação atual atrapalha?
Gianni -
A legislação impõe uma pesada carga tributária, dificuldades de acesso ao crédito, à tecnologia e à Justiça, situações que são limitadoras da formalização. Das empresas que se formalizaram em 2002, a metade já fechou. A legislação e a carga tributária são responsáveis pela alta mortalidade das empresas. Mas há também muito despreparo. Muitas fecharam sem ao menos procurar auxílio. A pesquisa de mortalidade feita pelo Sebrae mostrou que só 8% delas procuraram ajuda do Sebrae em algum momento de sua vida. Cerca de 30% buscaram ajuda do contador, que não está preparado para apoiar as empresas no processo de gestão.

Folha - Quais as mudanças necessárias para tirar as pequenas empresas desse círculo vicioso de ilegalidade, formalização e morte e dar-lhes sustentabilidade?
Gianni -
Fizemos uma proposta ao governo, de uma lei geral para o setor, que está com o Ministério da Fazenda. Tudo que mexe com a burocracia e a tributação é da alçada do governo federal e cabe a ele propor uma legislação pertinente. No anúncio da pré-empresa, o ministro [Antonio] Palocci [Filho] falou que está estudando o projeto de lei proposto pelo Sebrae e que as medidas anunciadas eram o primeiro passo, e que em seguida vamos discutir a lei geral.

Folha - Qual é a proposta do setor para essa lei?
Gianni -
O Brasil sempre fez política de desenvolvimento apoiada em grandes empresas -nunca o país fez uma politica pública de apoio às pequenas. Se queremos fazer um desenvolvimento apoiado em pequenas empresas, temos de dar-lhes acesso à tecnologia, ao crédito bancário e reduzir a burocracia. Outros países que fizeram isso conseguiram distribuir melhor a renda e os investimentos. A proposta do Sebrae inclui a uniformização do conceito de micro e pequena empresa, o cadastro único e o Super Simples.

Folha - Em que sentido essas propostas podem melhorar a vida das pequenas empresas?
Gianni -
O cadastro único representará uma grande redução da burocracia para os pequenos negócios, que passarão a ter uma única inscrição na Receita Federal, no Estado e no município. A uniformização do conceito de micro e pequena empresa vai permitir que os estímulos sejam direcionados realmente para quem precisa. Por exemplo: o acesso à tecnologia é difícil para a pequena empresa. Na lei geral, haverá uma destinação específica de recursos dos fundos federais de ciência e tecnologia, criados há alguns anos, para as pequenas empresas. O Super Simples é o capítulo tributário da lei geral que busca atacar todos os gargalos da pequena empresa: acesso à Justiça, à tecnologia, às compras governamentais etc. São dez capítulos que tratam de gargalos e da sustentabilidade das pequenas empresas.

Folha - Qual a opinião do sr. sobre a proposta do governo de reduzir direitos trabalhistas dos empregados de empresas de pequeno porte para incentivar o emprego e a formalidade?
Gianni -
Para o empregador, essas medidas aliviam a carga tributária e podem aumentar a formalidade, mas não vão gerar mais empregos. Elas dizem respeito apenas às empresas que faturam só até R$ 3.000 por mês e que, praticamente, não geram empregos. Mas isso não está no projeto da lei geral, pois é uma questão polêmica. Vamos ver qual será a reação à alíquota de contribuição das empresas para o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), de 0,5%. Quanto à redução da contribuição previdenciária paga pelas empresas, para 1,5% do faturamento, isso já está no Simples atual.

Folha - Qual a expectativa do sr. de que essa discussão avance e chegue ainda este ano ao Super Simples?
Gianni -
A forma proposta do Super Simples é muito criativa. Cabe não só na lei geral e atende todas as empresas de todos setores e os profissionais liberais: todos cabem na lei geral, numa forma de tributação muito inteligente. Quanto mais o empresário faturar, mais cresce sua carga fiscal. Isso estimula o crescimento. Hoje, se uma pequena empresa crescer, morre em seguida, pois muda de uma faixa de tributação favorecida para outra muito mais pesada. Isso leva à informalidade da empresa formal: o empresário passa a vender parte da produção na informalidade.

Folha - Como ficará com o Super Simples?
Gianni -
Na proposta que está na Fazenda, a tributação vai crescendo gradualmente -e não há um teto acima do qual as empresas não passam. Hoje, o Simples federal para empresas que faturam até R$ 120 mil por ano tem alíquota de 3,5%; para as que faturam até R$ 1,2 milhão, a alíquota é de 5,9%; e acima desse patamar a tributação é pelo lucro presumido, com alíquota de 16%. Ninguém consegue dar esse salto -e aí começa a sonegação e a corrupção. Na proposta da lei geral, ocorre uma passagem suave para o lucro presumido: são vários degraus e alíquotas para cada setor, e o último degrau é o de empresas com faturamento até R$ 3,6 milhões por ano. É um sistema flexível, onde as alíquotas crescem de um em um ponto percentual. E isso inclui todos os tributos federais, estaduais e municipais num só, daí ser chamado de Super Simples. O recolhimento é único e o sistema separa os impostos para repassar aos governos.

Folha - Qual arrecadação estimada para o Super Simples?
Gianni -
Fizemos uma grade matricial de alíquotas imaginando impacto nulo na arrecadação dos tributos federais, estaduais e municipais. Estamos imaginando um grande incremento na base de arrecadação com a formalização das empresas e o fim da sonegação, e isso permite reduzir alíquotas sem perder arrecadação. Não há perda nem aumento de arrecadação com a proposta do Super Simples -o impacto é neutro. O governo vai cobrar menos de muito mais empresas.

Folha - Enquanto o Super Simples não sai, não é o caso de atualizar a tabela de enquadramento do Simples, que está defasada?
Gianni -
Está muito defasada. A tabela que estabelece alíquotas até a faixa de R$ 1,2 milhão por ano já tem oito anos de idade. Deve haver uma atualização independentemente da lei geral, que prevê a atualização da tabela. Hoje, a tributação cresce sem que a empresa cresça. Como a tabela do imposto não foi corrigida, as empresas passam a sonegar. A manutenção da tabela é pior para a empresa e para o país.

Folha - Pesquisas de emprego e desemprego têm apontando crescimento considerável no número de trabalhadores por conta própria devido à retomada da economia. A expansão econômica não cria contingentes de "empreendedores de última hora", sem preparo para tocar um negócio próprio e mergulhados na informalidade?
Gianni -
Se o sujeito não se preparar, a chance de não dar certo é maior. O empreendedor de última hora é uma alternativa ao emprego formal, que está se reduzindo. Mas é preciso ter uma tributação adequada ao trabalho de cada um, caso contrário as pessoas são empurradas para a informalidade por uma legislação inadequada.

Folha - O crédito depende dos bancos. Como o setor espera levá-los a conceder empréstimos às pequenas?
Gianni -
Tem de ser pelas regras de mercado, não há outra hipótese. Banco só empresta se tiver uma taxa de risco [juros] tão cara quanto o risco, e se tiver retorno. Estamos criando avais solidários de conglomerados de pequenas empresas de um determinado setor. Junto com o Banco Central, estamos criando novas regras e propondo formas novas de cooperativismo de crédito, avais solidários, fundos de aval.

Folha - O Sebrae faz parte do Sistema S. Como seus recursos são geridos e qual o seu orçamento?
Gianni -
O orçamento é de R$ 900 milhões por ano e os recursos são usados em programas de capacitação das empresas para que elas tenham projetos e mais chances de sucesso em suas atividades. Estamos tomando iniciativas para tornar a gestão do Sebrae mais transparente. Nosso orçamento está na internet, os projetos, bem como os seus resultados, estão lá, ao alcance de todos. Não existe caixa-preta.

Folha - O governo quer mesmo intervir no Sistema S?
Gianni -
Desconheço. Não fomos procurados para discutir o Sistema S. Houve um fórum, recentemente, em que apresentamos o Sebrae.


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