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TRIBUTAÇÃO
Silvano Gianni, presidente do órgão, vê proposta de simplificação tributária como uma ação que precisa ir mais longe
Projeto não atinge as pequenas, diz Sebrae
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
Silvano Gianni, presidente do
Sebrae (Sistema Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas) Nacional, diz que o projeto de lei complementar enviado
pelo governo na semana retrasada ao Congresso para simplificar
o regime tributário, previdenciário e trabalhista não atinge as pequenas empresas.
"Ele só beneficiará o empreendedor individual, o pipoqueiro, o
camelô, a quituteira. É o primeiro
passo, na direção certa, de um
processo mais amplo."
Para tirar cerca de 9 milhões de
empresas da informalidade, segundo Gianni, é necessário uma
nova legislação que, além de promover a desoneração tributária
para o setor, facilite o acesso ao
crédito, à tecnologia e à Justiça.
A seguir, os principais trechos
da entrevista de Gianni.
Folha - O Brasil é considerado um
dos piores lugares do mundo para
fazer negócios, segundo relatório
do Banco Mundial. A desoneração
tributária proposta no projeto de
lei da pré-empresa, anunciado na
semana passada pelo governo, é
suficiente para mudar esse quadro?
Silvano Gianni - O projeto é um
primeiro passo, muito modesto,
na direção correta. É o primeiro
degrau de uma escada maior que
precisa ir mais longe para resolver
a informalidade e a sustentabilidade das pequenas empresas. Esse projeto atende apenas as empresas com faturamento de até R$
3.000 por mês. Nesse porte, nem
se pode falar em empresa -trata-se de um empreendedor como
um pipoqueiro, um camelô ou a
quituteira que vive por conta própria. Esse valor diz respeito às
vendas, e não ao ganho da empresa. Tirando os custos de produção, estamos falando de uma receita líquida de R$ 1.000 mensais.
O pequeno
empreendedor
resolve sua
questão com
esse projeto.
Não é uma
grande desoneração fiscal,
mas é uma forma adequada.
O projeto vai
atender a parcelas mais pobres de empreendedores.
Folha - E como
ficam as pequenas empresas?
Gianni - Esse
projeto ainda
não atende à
pequena empresa. A amplitude do projeto
é restrita, pois a informalidade está espalhada. Temos no Brasil
uma informalidade absurda, pois
a legislação não é adequada. Pesquisa do IBGE, de alguns anos
atrás, mostra que há mais de duas
empresas informais para cada
uma formal. Como temos 4,6 milhões de empresas formais, há
mais de 9 milhões de informais.
São pequenas empresas que geram empregos, mas, sendo informais, não têm chances de crescer.
Folha - No que a legislação atual
atrapalha?
Gianni - A legislação impõe uma
pesada carga tributária, dificuldades de acesso ao crédito, à tecnologia e à Justiça, situações que são
limitadoras da formalização. Das
empresas que se formalizaram
em 2002, a metade já fechou. A legislação e a carga tributária são
responsáveis pela alta mortalidade das empresas. Mas há também
muito despreparo. Muitas fecharam sem ao menos procurar auxílio. A pesquisa de mortalidade feita pelo Sebrae mostrou que só 8%
delas procuraram ajuda do Sebrae em algum momento de sua
vida. Cerca de 30% buscaram ajuda do contador, que não está preparado para apoiar as empresas
no processo de gestão.
Folha - Quais as mudanças necessárias para tirar as pequenas empresas desse círculo vicioso de ilegalidade, formalização e morte e
dar-lhes sustentabilidade?
Gianni - Fizemos uma proposta
ao governo, de uma lei geral para
o setor, que está com o Ministério
da Fazenda. Tudo que mexe com
a burocracia e a tributação é da alçada do governo federal e cabe a
ele propor uma legislação pertinente. No anúncio da pré-empresa, o ministro [Antonio] Palocci
[Filho] falou que está estudando o
projeto de lei proposto pelo Sebrae e que as medidas anunciadas
eram o primeiro passo, e que em
seguida vamos discutir a lei geral.
Folha - Qual é a proposta do setor
para essa lei?
Gianni - O Brasil sempre fez política de desenvolvimento apoiada
em grandes empresas -nunca o
país fez uma politica pública de
apoio às pequenas. Se queremos
fazer um desenvolvimento apoiado em pequenas empresas, temos
de dar-lhes acesso à tecnologia, ao
crédito bancário e reduzir a burocracia. Outros países que fizeram
isso conseguiram distribuir melhor a renda e os investimentos. A
proposta do Sebrae inclui a uniformização do conceito
de micro e pequena empresa, o cadastro único e
o Super Simples.
Folha - Em que sentido
essas propostas podem
melhorar a vida das pequenas empresas?
Gianni - O cadastro
único representará uma
grande redução da burocracia para os pequenos negócios, que passarão a ter uma única inscrição na Receita Federal, no Estado e no município. A uniformização do conceito de micro e pequena empresa
vai permitir que os estímulos sejam direcionados realmente para
quem precisa. Por
exemplo: o acesso à tecnologia é difícil para a pequena
empresa. Na lei geral, haverá uma
destinação específica de recursos
dos fundos federais de ciência e
tecnologia, criados há alguns
anos, para as pequenas empresas.
O Super Simples é o capítulo tributário da lei geral que busca atacar todos os gargalos da pequena
empresa: acesso à Justiça, à tecnologia, às compras
governamentais
etc. São dez capítulos que tratam
de gargalos e da
sustentabilidade
das pequenas empresas.
Folha - Qual a opinião do sr. sobre a
proposta do governo de reduzir direitos trabalhistas dos
empregados de
empresas de pequeno porte para
incentivar o emprego e a formalidade?
Gianni - Para o
empregador, essas
medidas aliviam a
carga tributária e
podem aumentar
a formalidade,
mas não vão gerar mais empregos. Elas dizem respeito apenas às
empresas que faturam só até R$
3.000 por mês e que, praticamente, não geram empregos. Mas isso
não está no projeto da lei geral,
pois é uma questão polêmica. Vamos ver qual será a reação à alíquota de contribuição das empresas para o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), de
0,5%. Quanto à redução da contribuição previdenciária paga pelas empresas, para 1,5% do faturamento, isso já está no Simples
atual.
Folha - Qual a expectativa do sr.
de que essa discussão avance e chegue ainda este ano ao Super Simples?
Gianni - A forma proposta do
Super Simples é muito criativa.
Cabe não só na lei geral e atende
todas as empresas de todos setores e os profissionais liberais: todos cabem na lei geral, numa forma de tributação muito inteligente. Quanto mais o empresário faturar, mais cresce sua carga fiscal.
Isso estimula o crescimento. Hoje, se uma pequena empresa crescer, morre em seguida, pois muda
de uma faixa de tributação favorecida para outra muito mais pesada. Isso leva à informalidade da
empresa formal: o empresário
passa a vender parte da produção
na informalidade.
Folha - Como ficará com o Super
Simples?
Gianni - Na proposta que está na
Fazenda, a tributação vai crescendo gradualmente -e não há um
teto acima do qual as empresas
não passam. Hoje, o Simples federal para empresas que faturam até
R$ 120 mil por ano tem alíquota
de 3,5%; para as que faturam até
R$ 1,2 milhão, a alíquota é de
5,9%; e acima desse patamar a tributação é pelo lucro presumido,
com alíquota de 16%. Ninguém
consegue dar esse salto -e aí começa a sonegação e a corrupção.
Na proposta da lei geral, ocorre
uma passagem suave para o lucro
presumido: são vários degraus e
alíquotas para cada setor, e o último degrau é o de empresas com
faturamento até R$ 3,6 milhões
por ano. É um sistema flexível,
onde as alíquotas crescem de um
em um ponto percentual. E isso
inclui todos os tributos federais,
estaduais e municipais num só,
daí ser chamado de Super Simples. O recolhimento é único e o
sistema separa os impostos para
repassar aos governos.
Folha - Qual arrecadação estimada para
o Super Simples?
Gianni - Fizemos
uma grade matricial
de alíquotas imaginando impacto nulo
na arrecadação dos
tributos federais, estaduais e municipais. Estamos imaginando um grande
incremento na base
de arrecadação com
a formalização das
empresas e o fim da
sonegação, e isso
permite reduzir alíquotas sem perder
arrecadação. Não há
perda nem aumento
de arrecadação com
a proposta do Super
Simples -o impacto é neutro. O governo vai cobrar
menos de muito mais empresas.
Folha - Enquanto o Super Simples
não sai, não é o caso de atualizar a
tabela de enquadramento do Simples, que está defasada?
Gianni - Está muito defasada. A
tabela que estabelece alíquotas até
a faixa de R$ 1,2 milhão por ano já
tem oito anos de idade. Deve haver uma atualização independentemente da lei geral, que prevê a
atualização da tabela. Hoje, a tributação cresce sem que a empresa
cresça. Como a tabela do imposto
não foi corrigida, as empresas
passam a sonegar. A manutenção
da tabela é pior para a empresa e
para o país.
Folha - Pesquisas de emprego e
desemprego têm apontando crescimento considerável no número
de trabalhadores por conta própria
devido à retomada da economia. A
expansão econômica não cria contingentes de "empreendedores de
última hora", sem preparo para tocar um negócio próprio e mergulhados na informalidade?
Gianni - Se o sujeito não se preparar, a chance de não dar certo é
maior. O empreendedor de última hora é uma alternativa ao emprego formal, que está se reduzindo. Mas é preciso ter uma tributação adequada ao trabalho de cada
um, caso contrário as pessoas são
empurradas para a informalidade
por uma legislação inadequada.
Folha - O crédito depende dos
bancos. Como o setor espera levá-los a conceder empréstimos às pequenas?
Gianni - Tem de ser pelas regras
de mercado, não há outra hipótese. Banco só empresta se tiver
uma taxa de risco [juros] tão cara
quanto o risco, e se tiver retorno.
Estamos criando avais solidários
de conglomerados de pequenas
empresas de um determinado setor. Junto com o Banco Central,
estamos criando novas regras e
propondo formas novas de cooperativismo de crédito, avais solidários, fundos de aval.
Folha - O Sebrae faz parte do Sistema S. Como seus recursos são geridos e qual o seu orçamento?
Gianni - O orçamento é de R$
900 milhões por ano e os recursos
são usados em programas de capacitação das empresas para que
elas tenham projetos e mais chances de sucesso em suas atividades.
Estamos tomando iniciativas para
tornar a gestão do Sebrae mais
transparente. Nosso orçamento
está na internet, os projetos, bem
como os seus resultados, estão lá,
ao alcance de todos. Não existe
caixa-preta.
Folha - O governo quer mesmo intervir no Sistema S?
Gianni - Desconheço. Não fomos
procurados para discutir o Sistema S. Houve um fórum, recentemente, em que apresentamos o
Sebrae.
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