São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2008

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Melhor opção seria criar um seguro, afirma ex-BC

Para Carlos Thadeu de Freitas, estatização de bancos terá dificuldades operacionais

Ele diz que uma espécie de seguro para os empréstimos interbancários funcionaria como um fundo garantidor de crédito dos poupadores

Sergio Lima/Folha Imagem
O ministro Guido Mantega e o presidente do BC, Henrique Meirelles, explicam a nova MP

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ex-diretor do Banco Central que enfrentou crises bancárias nos anos 80, o economista Carlos Thadeu de Freitas vê dificuldades operacionais para implementar a compra de instituições em dificuldades pela Caixa e pelo BB.
Ele diz que uma solução mais inteligente seria criar uma espécie de seguro para os empréstimos interbancários, adotado na Europa e que funcionaria como espécie de fundo garantidor de crédito dos poupadores. Para ele, a crise de liquidez atual é um problema sério, que pode levar à insolvência de instituições, mas que o sistema hoje está muito mais sólido do que em 1985, quando o BC teve de liquidar três bancos e ir a público para evitar uma corrida bancária.

 

FOLHA - A medida do governo é mais uma questão de preparar o arcabouço jurídico em caso de um socorro ou temos instituições na UTI?
CARLOS THADEU DE FREITAS
- É mais uma medida preventiva. Foi tomada para dizer que estamos em condições de, eventualmente, comprar bancos. Os EUA já falaram que vão comprar ações do Citigroup e de outros bancos, agora foi a nossa vez. Mas esse comprar demora.
Em termos operacionais, essa MP não é tão fácil de implementar como emprestar.

FOLHA - Há outras formas de resolver esse problema de capitalização?
FREITAS
- Por que a instituição financeira não vai ao BC e toma o redesconto [empréstimo para socorrer bancos]? Os bancos podem primeiro pedir dinheiro emprestado, que é muito mais fácil. Em termos operacionais, [comprar banco] é complicado porque eles têm operações de crédito que vencem daqui a um tempo. Quanto vale essa operação? Você tem de fazer uma conta vinculada, porque, se esse cliente não paga, o banco que está comprando vai lá e saca nessa conta.

FOLHA - Não seria melhor o BC e o Tesouro fazerem o socorro?
FREITAS
- Na Europa, criaram seguro de garantia para depósitos interbancários. O crédito não estava andando, mas os empréstimos entre os bancos foram garantidos. Só que os bancos pagam prêmio de seguro para que, se houver algum problema, esse prêmio cubra.
Deu certo, tanto que os juros interbancários caíram. A garantia é melhor do que a compra. Até porque a instituição que vai utilizar a garantia vai desembolsar. Todo mundo participa e não está estatizando nem comprando.

FOLHA - É mais uma questão de ganhar confiança?
FREITAS
- Pode dar uma confiabilidade, mas o grande problema é que, para comprar de verdade, não se faz isso da noite para o dia. Tem de dar preço em tudo. E até ter isso, o banco já quebrou. Vai ter que ir para o Banco Central para depois a venda acontecer.

FOLHA - Como no Proer?
FREITAS
- Não digo que seja igual, porque a instituição está viva ainda. Ela tem de ir para o redesconto primeiro para depois ser comprada. É um segundo passo. Se o BC der o redesconto e a instituição financeira não tiver condições de pagar ao BC, tem essa MP que permite a Caixa e o BB comprarem essa instituição para que ela não quebre e gere um risco sistêmico. É uma garantia da garantia. Um seguro teria mais abrangência e custaria menos.

FOLHA - Não tem um veio ideológico de mostrar a força do Estado?
FREITAS
- Não vejo isso, vejo mais um lado de precaução. EUA, Europa e Coréia não estão fazendo isso? Então, também posso.

FOLHA - Estamos vendo uma crise de liquidez. A liquidez é o primeiro passo para a crise de solvência?
FREITAS
- Uma instituição que está solvente fica insolvente pela crise de liquidez. Ela não consegue se zerar, captar recursos e quebra. Toda instituição financeira quebra na boca do caixa. Ela não quebra pela insolvência, quebra porque está carregando ativos que ninguém sabe quanto valem. Uma instituição financeira é igual a um submarino, pode ficar algum tempo embaixo d'água.
Ela sobrevive mais tempo do que uma empresa, porque uma empresa você sabe quanto vale, e um banco não. Ele quebra na hora que falta oxigênio.

FOLHA - Qual o maior perigo?
FREITAS
- Hoje a liquidez está empoçada. O BC está tomando todo dia dinheiro, então tem liquidez. Determinadas instituições não querem comprar ativos de outras instituições porque têm medo de uma crise de crédito. Se o governo paga taxa de juros alta, por que vou correr qualquer tipo de risco? É o preço do custo da dívida.

FOLHA - E por que tanta boataria?
FREITAS
- Eu vivi essa boataria e sei como funciona. Em 1985, era diretor da área bancária do BC e três bancos foram liquidados. Teve corrida bancária. Foi preciso um esforço público para dizer que não tinha ninguém quebrando. O presidente do BC teve de ir à televisão dizer isso. Hoje não tem corrida bancária.


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