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Secura do crédito transforma governos em financeiras
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
O estrangulamento do crédito continua tão violento nos
EUA e na Europa que os governos, além dos colossais pacotes
de socorro, agora atuam como
empresas financeiras.
É o caso da Espanha, por
exemplo, que resolveu reservar
uma parte do fundo de entre
30 bilhões e 50 bilhões à compra de ativos dos bancos para
fazer idêntica operação com as
financeiras das empresas automobilísticas e de varejo.
Pode, por exemplo, injetar
capital em El Corte Inglés, uma
das maiores lojas de departamentos da Europa, ou nas financeiras de companhias de
carros de luxo como a BMW.
A Espanha não está só: a ministra francesa de Economia,
Christine Lagarde, anuncia que
os bancos que se beneficiem do
pacote de ajuda francês ( 10,5
bilhões) deverão aumentar a
cada ano entre 3% e 4% suas
cotas para financiar pessoas físicas e jurídicas.
As duas iniciativas são uma
pequena amostra de como está
longe de ser superada a crise de
confiança no setor financeiro.
Pesquisa do jornal alemão
"Frankfurter Allgemeine Zeitung" diz que 48% dos alemães
não confiam no seu banco.
O pior é que os banqueiros
tampouco confiam nos bancos,
pelo menos nos dos outros,
tanto que continuam caindo a
conta-gotas as taxas que regem
empréstimos interbancários.
O caso do Euribor, usado nos
países do euro para empréstimos desse tipo (e para hipotecas), é eloquente: embora esteja caindo há dez dias, a média
mensal segue em 5,386%, muitíssimo pouco abaixo do recorde histórico (5,393%) de julho.
Depois de julho, houve a série de pacotes de ajuda ao setor
financeiro e reiteradas promessas de que a Europa não
deixará quebrar nenhum banco. Ainda que o dinheiro só comece agora a ser usado, a palavra dos governos deveria ser
suficiente para que os bancos
acreditassem que emprestar a
outros bancos é seguro porque
não está no dicionário de ninguém a palavra "quebra".
A situação não é essencialmente diferente nos EUA, como mostra editorial ontem no
"New York Times": "A triste
realidade é que, enquanto milhões de americanos continuarem a dar calote em suas hipotecas e o preço das casas seguirem caindo, os bancos continuarão a ter grandes perdas".
Profético: horas mais tarde, o
Wachovia anunciava perdas de
estonteantes US$ 23,9 bilhões
no terceiro trimestre, o maior
prejuízo da presente crise de
crédito. No Brasil, daria para
comprar 87 mil Mercedes-Benz C350 Sport.
Todos esses dados da realidade demonstram que a grande maioria dos analistas pode
estar sendo otimista demais
quando afirma que os pacotes
dos diferentes governos foram
suficientes para restabelecer a
confiança e, logo a seguir, destravar o crédito.
Mais provável é que a razão
esteja com o economista brasileiro e colunista da Folha Paulo Rabello de Castro, para
quem "os bancos continuarão
sem poder emprestar mais,
pois sua base de capital se viu
inteiramente corroída".
Na prática, significa que ainda lateja o risco não só de uma
recessão -que já é um dado
inescapável da realidade- mas
também o de depressão, já que
o crédito é obviamente a seiva
vital da economia.
A recessão, aliás, é a explicação do dia para nova queda forte das Bolsas européias, de
4,46% tanto em Londres como
em Frankfurt e de 5,10% em
Paris.
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