São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2008

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Secura do crédito transforma governos em financeiras

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O estrangulamento do crédito continua tão violento nos EUA e na Europa que os governos, além dos colossais pacotes de socorro, agora atuam como empresas financeiras.
É o caso da Espanha, por exemplo, que resolveu reservar uma parte do fundo de entre 30 bilhões e 50 bilhões à compra de ativos dos bancos para fazer idêntica operação com as financeiras das empresas automobilísticas e de varejo.
Pode, por exemplo, injetar capital em El Corte Inglés, uma das maiores lojas de departamentos da Europa, ou nas financeiras de companhias de carros de luxo como a BMW.
A Espanha não está só: a ministra francesa de Economia, Christine Lagarde, anuncia que os bancos que se beneficiem do pacote de ajuda francês ( 10,5 bilhões) deverão aumentar a cada ano entre 3% e 4% suas cotas para financiar pessoas físicas e jurídicas.
As duas iniciativas são uma pequena amostra de como está longe de ser superada a crise de confiança no setor financeiro. Pesquisa do jornal alemão "Frankfurter Allgemeine Zeitung" diz que 48% dos alemães não confiam no seu banco.
O pior é que os banqueiros tampouco confiam nos bancos, pelo menos nos dos outros, tanto que continuam caindo a conta-gotas as taxas que regem empréstimos interbancários.
O caso do Euribor, usado nos países do euro para empréstimos desse tipo (e para hipotecas), é eloquente: embora esteja caindo há dez dias, a média mensal segue em 5,386%, muitíssimo pouco abaixo do recorde histórico (5,393%) de julho.
Depois de julho, houve a série de pacotes de ajuda ao setor financeiro e reiteradas promessas de que a Europa não deixará quebrar nenhum banco. Ainda que o dinheiro só comece agora a ser usado, a palavra dos governos deveria ser suficiente para que os bancos acreditassem que emprestar a outros bancos é seguro porque não está no dicionário de ninguém a palavra "quebra".
A situação não é essencialmente diferente nos EUA, como mostra editorial ontem no "New York Times": "A triste realidade é que, enquanto milhões de americanos continuarem a dar calote em suas hipotecas e o preço das casas seguirem caindo, os bancos continuarão a ter grandes perdas".
Profético: horas mais tarde, o Wachovia anunciava perdas de estonteantes US$ 23,9 bilhões no terceiro trimestre, o maior prejuízo da presente crise de crédito. No Brasil, daria para comprar 87 mil Mercedes-Benz C350 Sport.
Todos esses dados da realidade demonstram que a grande maioria dos analistas pode estar sendo otimista demais quando afirma que os pacotes dos diferentes governos foram suficientes para restabelecer a confiança e, logo a seguir, destravar o crédito.
Mais provável é que a razão esteja com o economista brasileiro e colunista da Folha Paulo Rabello de Castro, para quem "os bancos continuarão sem poder emprestar mais, pois sua base de capital se viu inteiramente corroída".
Na prática, significa que ainda lateja o risco não só de uma recessão -que já é um dado inescapável da realidade- mas também o de depressão, já que o crédito é obviamente a seiva vital da economia.
A recessão, aliás, é a explicação do dia para nova queda forte das Bolsas européias, de 4,46% tanto em Londres como em Frankfurt e de 5,10% em Paris.


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