São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 2006

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Destravando a economia


A alavanca principal para o crescimento está basicamente nas mãos do BC, no campo da moeda e do crédito


TENHO MAIS de 50 anos e já não posso ignorar como é verdadeiro o que escreveu certa vez Fernando Pessoa: "Não há experiência da vida que não seja, afinal, a calma experiência de uma desilusão". "Calma", talvez, não. Mas, enfim, desilusão. Eu deveria, portanto, adotar um tom cético, desencantado. Mas não. Ainda insisto em dizer "verdades", alimentar esperanças e cultivar um sonho ou outro.
Li nos jornais ontem algo que me deixou relativamente espantado. O presidente da República confessou que ainda não sabe como "destravar" a economia. Lula prometeu que encontrará o caminho até 31 de dezembro.
Ora, talvez nunca tenha sido tão fácil -pelo menos do ponto de vista econômico- colocar o país em movimento. Todas ou quase todas as explicações "clássicas" para o baixo dinamismo da economia nos últimos 25 anos parecem superadas. A inflação brasileira, que já foi um problema crônico, às vezes agudo, está basicamente liquidada. As contas externas, que foram em vários períodos o calcanhar-de-aquiles da economia, estão sólidas. Também não há crise fiscal à vista. As contas públicas não se mostram tão fortes quanto as externas, mas não pedem ajustamentos drásticos, de cunho recessivo.
A economia possui, além disso, margens expressivas de capacidade produtiva ociosa. O principal gargalo, pelo lado da oferta, é a infra-estrutura, principalmente de transportes. É compreensível, assim, a ênfase do governo na ampliação do investimento público e na execução mais rápida dos projetos nas áreas de energia e transportes. Também é válida a preocupação em reduzir tributos, especialmente sobre investimentos, uma vez que a carga tributária subiu demais no Brasil.
Cabe, porém, a pergunta: como fica a meta de 4,25% do PIB para o superávit primário? Se o governo tentar preservá-la, o corte de impostos e o aumento dos investimentos públicos terão que ser neutralizados por uma redução de despesas correntes não-financeiras. Nesse caso, o impacto expansivo da desoneração tributária e da ampliação do investimento será contrabalançado pelo impacto contracionista da diminuição dos gastos correntes. O efeito líquido sobre o PIB tenderá a ser modesto. Por outro lado, se o superávit primário ficar muito abaixo da meta, a dívida crescerá como proporção do PIB, o que pode abalar a confiança na sustentabilidade das contas do governo.
Em outras palavras, há limites relativamente estreitos para a utilização da política fiscal como alavanca para o crescimento. A alavanca principal é outra -e está basicamente nas mãos do Banco Central. É sobretudo no campo da moeda e do crédito que se observa um excesso de restrição, com impacto negativo sobre o nível de atividade econômica.
Não é preciso fazer nada de extraordinário. O ritmo de diminuição da taxa básica de juro pode ser acelerado para que, ao longo de 2007, a taxa real praticada no Brasil se aproxime das que se observam no resto do mundo. A TJLP, a taxa de juro de longo prazo que vigora nos empréstimos do BNDES, também pode sofrer queda adicional, favorecendo a retomada dos investimentos. O Banco Central deve, além disso, reduzir gradualmente os compulsórios bancários de modo a aumentar a oferta de crédito e diminuir as taxas de juro nos empréstimos do sistema financeiro. Com a redução mais rápida das taxas de juro, é provável que o real sofra alguma depreciação, o que contribuirá para acelerar o crescimento do PIB e manter as contas externas ajustadas.
É possível mudar a política de moeda e crédito sem mudar o comando do Banco Central? Teoricamente, sim. Na prática, não. A diretoria atual do BC está muito comprometida com uma linha diferente e dificilmente se predisporá a uma mudança substancial de orientação. Aí reside a grande dificuldade, que é mais política do que econômica. A atual equipe do Banco Central tem o respaldo do lobby financeiro.
Por outro lado, com a sua reeleição por larga margem, o presidente da República está no ápice do seu poder. Se não contrariar esse lobby agora, não o fará nunca mais.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).

pnbjr@attglobal.net


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