São Paulo, sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A reforma tributária de Lula

Sem a redução dos gastos públicos, buscar um sistema tributário mais racional será um sonho impossível

O GOVERNO anunciou que enviará seu projeto de reforma tributária para a consideração do Congresso. Certamente o presidente Lula vai exercitar mais uma vez sua incrível capacidade de mistificação. O já conhecido bordão "nunca antes neste país..." será novamente utilizado de forma festiva e demagógica. Da minha parte, antecipo ao leitor da Folha que "não li e não gostei"... Essa minha opinião não é apenas uma mera oposição sistemática ao governo, mas um raciocínio simples e linear. "Não acredito em reforma fiscal que não trate inicialmente de um compromisso claro de redução de gastos correntes do governo." Não é possível tratar da questão fiscal no Brasil sem antes refletir profundamente sobre o que existe de ruim no sistema tributário atual e por que chegamos a esse desenho atual. E o governo não tem claro nenhum desses dois pontos. O sistema de impostos no Brasil tem características que precisam ser entendidas para definir uma reforma tributária que mude para melhor nossa sociedade. Uma primeira observação é que temos hoje um sistema eficiente de arrecadação. Foi construído ao longo de muitos anos pela Receita, tendo a eficácia da arrecadação -e não a eficiência econômica e a justiça social- como seu objetivo central. Outra característica do sistema atual de impostos é que ele foi desenvolvido ao longo de mais de uma década em que o crescimento econômico baixo e o aumento explosivo da conta de juros da dívida pública obrigavam ao aumento constante da carga tributária. Com a necessidade da manutenção de superávit primário elevado -sobra de caixa antes do pagamento de juros-, não havia outra saída. Mas, ao longo desse caminho, cruzamos uma fronteira -de difícil visualização, mas de grande importância- representada pela carga tributária máxima que permite a operação eficiente de um sistema de impostos que incidem sobre a renda e o consumo. A partir desse ponto, é preciso trabalhar com tributos menos racionais, como as famigeradas CPMF e PIS/Cofins. Isso ocorre porque, com uma carga fiscal da ordem de 35% do PIB, a utilização dos impostos tradicionais torna-se impossível, pela necessidade de operar com alíquotas elevadas demais e, portanto, inviáveis. Basta ver que a maioria de países comparáveis ao Brasil opera com tributação entre 20% e 25% do PIB. Logo, sem um compromisso de redução e controle dos gastos públicos, a busca por um sistema tributário mais racional do ponto de vista econômico é um sonho impossível ou uma grande demagogia. Vivemos hoje um período positivo no qual está aberto um espaço fantástico para caminhar verdadeiramente na direção de um melhor sistema tributário. O crescimento da economia e a crescente formalização da atividade econômica -principalmente do emprego- permitiriam ao governo enfrentar esse grande desafio. Além disso, a redução dos gastos com juros, já ocorrida e que continuará a ocorrer nos próximos anos, reforça esse movimento positivo. Mas o governo já deu sinais de que vai ser irresponsável, jogando fora essa oportunidade e perenizando, via elevação dos gastos, a carga tributária atual. Em futuro muito próximo, esse erro será cobrado de todos os brasileiros. O verdadeiro pogrom petista em curso no Ipea visa interditar o debate a respeito da política fiscal, mas não calará os que se preocupam com o futuro do Brasil.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


Texto Anterior: Blitz vê trabalho infantil em fazenda de laranja
Próximo Texto: Vinicius Torres Freire: INSS: rombo menor, gasto maior
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.