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OPINIÃO ECONÔMICA
Reflexões às margens do Sena
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Durante uma semana que
passei em Paris, tive a oportunidade de acompanhar os intensos debates em que está mergulhada a sociedade francesa sobre a questão da reforma de seu
sistema de previdência. Com o
presidente Jacques Chirac reeleito
com 80% dos votos e com uma
enorme maioria no Parlamento,
a direita francesa está disposta a
realizar uma profunda mudança
no sistema atual.
Em 1995, em condições políticas
menos favoráveis, Chirac conseguiu aprovar no Parlamento algumas mudanças importantes,
como a desvinculação entre os salários de mercado e as aposentadorias, mas que não foram suficientes para inverter a situação
de déficits estruturais crescentes
no sistema de pagamentos dos benefícios, tanto no setor público como no setor privado. Agora, com
o déficit público atingindo os limites legais estabelecidos pelas
regras da União Européia e sob a
ameaça de receber uma advertência oficial da UE, o governo da
França decidiu-se por uma ação
mais radical.
Para o viajante que tenha
acompanhado o debate sobre a
Previdência no Brasil de FHC e
Lula e entenda a língua de Victor
Hugo, não é difícil compreender
as discussões e as propostas em
curso na sociedade francesa. O
jargão utilizado por políticos e
jornalistas é semelhante ao que
encontramos hoje na imprensa
brasileira. Convergência entre a
previdência pública e a privada;
financiamento solidário dos aposentados via um sistema de partição das receitas; tempo de contribuição; regras de exceção e direitos adquiridos versus capacidade
financeira do sistema, tanto aqui
como lá, são os itens que dominam as discussões.
Em uma democracia consolidada e madura como a francesa, podemos encontrar algumas lições
importantes para o encaminhamento dessa questão no Brasil de
hoje. Seria até uma medida de
bom senso do presidente Lula
mandar alguém a Paris para recolher algumas informações sobre
como o governo Chirac vem encaminhando o debate na sociedade.
Mesmo tendo ampla maioria na
Assembléia Nacional, o governo
entendeu que não pode simplesmente aprovar essa reforma no
voto, sob o risco de criar uma crise
política e social de grandes proporções. Decidiu partir para um
diálogo com a chamada sociedade civil institucionalizada -sindicatos de trabalhadores e de empresários, principalmente- a
partir de um conjunto de princípios previamente estabelecidos
pelo Executivo. Não se trata ainda de uma agenda detalhada,
mas referências a partir das
quais, uma vez estabelecido um
mínimo de consenso, seriam definidas as regras de funcionamento
da nova previdência pública.
O primeiro ponto definido foi o
caráter solidário do sistema, isto
é, nada de contas individualizadas e desvinculadas umas das outras, como são hoje os sistemas
chileno e argentino. O segundo
ponto é o de refazer os cálculos
atuariais do sistema em função
da nova realidade de expectativa
de vida do francês neste início de
século 21. Em outras palavras, como o aposentado vai viver um período maior sob a proteção previdenciária, terá de contribuir por
mais tempo antes de se aposentar.
Se ele preferir parar de trabalhar
mais cedo, terá de aceitar um valor menor para sua aposentadoria. Na França, hoje, o trabalhador contribui por 37 anos e meio à
previdência pública.
O terceiro ponto estabelecido
pelo governo é o da igualdade entre o contribuinte do setor público
e o do setor privado. Nada de grupos privilegiados em razão de
uma musculatura política mais
forte do que a do cidadão comum.
Entretanto não se podem evitar
as discussões sobre tratamentos
especiais para grupos de trabalhadores que tenham regras diferenciadas de relação de trabalho
por motivos específicos de limitação de idade.
Finalmente, o governo propõe
que as modificações a serem definidas sejam implementadas ao
longo de um período de tempo suficiente para acomodar os efeitos
sobre a renda dos aposentados
franceses.
Para evitar que os debates se
prolonguem por um tempo muito
longo, o governo já avisou que, na
falta de um entendimento e de
um consenso com a sociedade civil, vai tomar a iniciativa de
mandar para o Congresso um
projeto seu e usar sua maioria para aprová-lo. Em outras palavras,
ele manda dizer que vai usar o
mandato conferido pelas urnas
para resolver, ainda na legislatura atual, esse enorme entrave social e econômico. Coisa de país civilizado.
No Brasil, o presidente Lula decidiu usar o conselho consultivo,
chamado Fórum Social, como
mecanismo de discussão da questão da Previdência com a sociedade. É uma alternativa que pode
funcionar se a composição desse
colegiado for representativa e reproduza, sem distorções partidárias, o quadro institucional do
país. Mas dificilmente fugirá a
um debate com certos órgãos representativos de grupos profissionais específicos.
Também será de responsabilidade do governo definir as linhas
básicas da reforma, pois de outra
forma ficaremos eternamente discutindo as questões preliminares.
O Fórum Social precisa ter uma
agenda inicial definida pelo Executivo para que, a partir dela, os
debates possam ser eficientes e rápidos. Não me parece que o governo tenha definido esses pontos,
pois na campanha eleitoral de
outubro o discurso do PT era outro.
Finalmente não poderá o governo fugir da responsabilidade de
apresentar, como seu, o conjunto
de leis e reformas constitucionais
que deverão ser aprovados pelo
Congresso Nacional.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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