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São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 2003

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LUÍS NASSIF

O "grande dogma"

No fim dos anos 70, tomou corpo no meio econômico a idéia de que, se não se pagassem taxas de juros fortemente positivas para o overnight, a inflação explodiria. Caso as taxas fossem negativas ou levemente positivas, os investidores desviariam os recursos para ativos reais.
Na época, uma única voz se levantou contra a unanimidade, a do professor Dércio Garcia Munhoz, que ousou informar à distinta platéia que empresas aplicam no overnight seu giro de caixa. Por isso, jamais desviariam recursos para dólar, ouro ou ativos reais. Iniciante na área econômica, liguei para dois grandes empresários e perguntei se a observação de Munhoz procedia. Procedia, é claro. No entanto, naquele e nos anos seguintes, ouvi jovens recém-formados caçoando do professor, porque ele ousou questionar o "grande dogma" (para utilizar uma expressão do Zé Rodrix, ao se referir aos puristas da MPB).
Quem leu nos jornais de ontem a repercussão sobre a alta de juros do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) percebeu o desastre que o "grande dogma" provocou na inteligência nacional.
Não do lado dos críticos, economistas como Ibrahim Éris, João Sayad e Yoshiaki Nakano questionando a alta e procurando demonstrar a falta de relação causal entre o 0,5 ponto a mais e o combate à inflação. A medida não tem efeito sobre taxas de financiamento ao consumidor nem sobre as taxas para as empresas, pois não mostram sensibilidade às variações da taxa básica; não provoca o efeito-pobreza que ocorre nos EUA, quando elevação de juros reduz o valor patrimonial das carteiras; não atua nem sobre produtos exportáveis nem sobre preços administrados; com exceção do setor exportador, não há explosão de demanda; e por aí vai.
Do lado dos defensores, o que se lê, indistintamente, são generalidades, tipo "atendeu às expectativas do mercado". Que história é essa? As expectativas não se formam no ar, necessitam ser críveis, ter consistência, racionalidade, relações de causalidade. Se não, em vez de atendidas, necessitam ser exorcizadas.
Um país quebrado, no qual o Banco Central aceita aumentar os juros da dívida pública sabendo que não terá influência relevante sobre a trajetória da inflação, mas que assustará os investidores por manter a trajetória de crescimento da dívida, apenas para atender a expectativas que se fundam em impressionismo de mesa de bar? Daqui a alguns meses, o que irá determinar as expectativas do mercado será o tamanho da dívida pública (que aumentará com a decisão) e o da inflação.
A quebra do Brasil em 1999, a quebra da Nasdaq, a quebra da Argentina não foram suficientes para desmascarar esse padrão de análise, comprovar que a tática de atender às expectativas de curto prazo do mercado levam, invariavelmente, à deterioração dos fundamentos da economia?
Nos Estados Unidos, há anos o Fed vem reduzindo, reunião a reunião, a taxa de juros básica sem que o mercado tente impor suas expectativas.
Infelizmente, essa decisão confirma o temor que ganhou corpo após a vitória de Lula, de que a falta de experiência da nova equipe e o excesso de vontade de contornar as desconfianças do mercado, os tornasse escravos do "grande dogma".

E-mail - LNassif@uol.com.br


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