|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
O "grande dogma"
No fim dos anos 70, tomou
corpo no meio econômico a
idéia de que, se não se pagassem
taxas de juros fortemente positivas para o overnight, a inflação
explodiria. Caso as taxas fossem
negativas ou levemente positivas, os investidores desviariam
os recursos para ativos reais.
Na época, uma única voz se levantou contra a unanimidade, a
do professor Dércio Garcia Munhoz, que ousou informar à distinta platéia que empresas aplicam no overnight seu giro de caixa. Por isso, jamais desviariam
recursos para dólar, ouro ou ativos reais. Iniciante na área econômica, liguei para dois grandes
empresários e perguntei se a observação de Munhoz procedia.
Procedia, é claro. No entanto,
naquele e nos anos seguintes, ouvi jovens recém-formados caçoando do professor, porque ele
ousou questionar o "grande dogma" (para utilizar uma expressão do Zé Rodrix, ao se referir
aos puristas da MPB).
Quem leu nos jornais de ontem
a repercussão sobre a alta de juros do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central)
percebeu o desastre que o "grande dogma" provocou na inteligência nacional.
Não do lado dos críticos, economistas como Ibrahim Éris,
João Sayad e Yoshiaki Nakano
questionando a alta e procurando demonstrar a falta de relação
causal entre o 0,5 ponto a mais e
o combate à inflação. A medida
não tem efeito sobre taxas de financiamento ao consumidor
nem sobre as taxas para as empresas, pois não mostram sensibilidade às variações da taxa básica; não provoca o efeito-pobreza que ocorre nos EUA, quando
elevação de juros reduz o valor
patrimonial das carteiras; não
atua nem sobre produtos exportáveis nem sobre preços administrados; com exceção do setor
exportador, não há explosão de
demanda; e por aí vai.
Do lado dos defensores, o que
se lê, indistintamente, são generalidades, tipo "atendeu às expectativas do mercado". Que história é essa? As expectativas não
se formam no ar, necessitam ser
críveis, ter consistência, racionalidade, relações de causalidade.
Se não, em vez de atendidas, necessitam ser exorcizadas.
Um país quebrado, no qual o
Banco Central aceita aumentar
os juros da dívida pública sabendo que não terá influência relevante sobre a trajetória da inflação, mas que assustará os investidores por manter a trajetória
de crescimento da dívida, apenas para atender a expectativas
que se fundam em impressionismo de mesa de bar? Daqui a alguns meses, o que irá determinar
as expectativas do mercado será
o tamanho da dívida pública
(que aumentará com a decisão)
e o da inflação.
A quebra do Brasil em 1999, a
quebra da Nasdaq, a quebra da
Argentina não foram suficientes
para desmascarar esse padrão
de análise, comprovar que a tática de atender às expectativas de
curto prazo do mercado levam,
invariavelmente, à deterioração
dos fundamentos da economia?
Nos Estados Unidos, há anos o
Fed vem reduzindo, reunião a
reunião, a taxa de juros básica
sem que o mercado tente impor
suas expectativas.
Infelizmente, essa decisão confirma o temor que ganhou corpo
após a vitória de Lula, de que a
falta de experiência da nova
equipe e o excesso de vontade de
contornar as desconfianças do
mercado, os tornasse escravos do
"grande dogma".
E-mail - LNassif@uol.com.br
Texto Anterior: Risco Iraque: Bolsa de Londres cai ao nível mais baixo em 7 anos Próximo Texto: Transição: Funcionários protestam contra indicação no BB Índice
|