São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2004

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FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL

Presidente do Banco Central afirma que "ruídos" sobre manutenção de juros são legítimos e que pode discutir decisão no Congresso

Calma do mercado justifica BC, diz Meirelles

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central, ouviu o que chama de "ruídos legítimos de todas as áreas" a respeito da decisão do BC de manter os juros em 16,5% ao ano, os mais altos do mundo, mas separou um "ruído" gratificante: "Os mercados estiveram relativamente calmos, o que mostra que, de fato, justifica-se o BC ser cauteloso".
Apesar de não ter acontecido um grande movimento de piora dos indicadores de mercado, não foi totalmente tranqüila a reação dos agentes financeiros. A decisão do Banco Central sofreu diversas críticas de operadores, analistas, economistas e do setor produtivo.
Os outros "ruídos", de ordem política, econômica e social, como os descreve Meirelles, "fazem parte da democracia" e o presidente do BC está pronto para discuti-los se e quando for convocado pelo Congresso para explicar a decisão de não mexer nos juros.
Em Davos, onde chegou ontem para participar do encontro anual 2004 do Fórum Econômico Mundial, Meirelles esquivou-se de explicações alegando que as normas do banco impedem comentários até que saia a ata da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), na próxima quinta-feira.
"Comentar agora só criaria mais ruído", diz Meirelles.
De todo modo, o ruído chegou até a cidadezinha suíça que abriga os encontros do fórum: todos os debatedores de almoço sobre o Brasil, ontem, falaram de juros e cobraram sua redução, com maior ou menor contundência.
Meirelles deu, então, a aula sobre juros que vem repetindo desde que assumiu o BC há pouco mais de um ano. É assim:
1) No Brasil, as taxas de juros têm sido altas por um longo período. Eram, descontada a inflação, de mais de 20% no período 1994-98, caíram para pouco mais de 10%, entre 99 e o início de 2003.
2) A taxa de hoje "que influencia o mercado" seria, nas contas dele, um pouco acima de 9%. Ele leva em conta o "swap" de 360 dias, ou seja, a taxa de médio prazo com que opera a economia e desconta a expectativa de inflação, tal como medida pela Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). "É historicamente baixa", festeja.
3) Ele admite que "todos" gostariam que fosse ainda mais baixa. "O problema é como fazer", completa. "O Brasil já tentou de tudo: congelamento de preços, de juros, de câmbio, de correção monetária, tentou controle de capitais, moratória interna e externa. Foi um desastre após o outro".
Nesse ponto Meirelles repete frase de efeito do ministro Antonio Palocci (Fazenda), segundo a qual o governo gostaria de cometer erros novos, não erros velhos.
Mas o presidente do BC não acha que esteja cometendo erros, velhos ou novos, apesar das críticas. "Estamos indo na direção certa. É normal que, quando começa a dar certo, todo mundo fique ansioso e queira apressar o final do processo", diz.
Meirelles ouviu cobranças mesmo de quem elogiou a política macroeconômica ou é simpatizante do governo.
Exemplo 1: Ricardo Young Silva, presidente do Instituto Ethos, perguntou por que o Brasil tem que ter a mais alta taxa de juros do mundo e disse que "a classe média está sendo reduzida".
Exemplo 2: Carlos Represas, mexicano que é vice-presidente-executivo da Nestlé suíça, decretou que "é absolutamente impossível estimular o investimento privado quando se tem juros de dois dígitos".
Até Felipe Larraín, professor da Universidade Católica do Chile e dono de um discurso neoliberal, perguntou se o crescimento de 3,5% previsto para este ano seria capaz de reduzir o desemprego, um dos sete "desafios" que ele via na economia brasileira.
Meirelles repetiu o discurso oficial comprado, pelo menos, por William Rhodes, do Citigroup, que é mais ou menos assim: "2003 foi o ano do ajuste; 2004 será o ano do crescimento".
Meirelles tentou afastar até as dúvidas que percorrem Davos sobre os efeitos de um eventual estouro da bolha de investimentos financeiros em mercados emergentes, pelo excesso de liquidez internacional. O temor é que haja escassez de dólares para os pagamentos devidos. Diz Meirelles: "Todos os vencimentos até junho já estão resolvidos".


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