São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

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LATICÍNIOS

Produtores perdem margem com a crise da Parmalat e a forte concentração das indústrias e das redes de varejo

Safra de leite termina com preço em queda

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

O setor de leite termina esta safra com preços inferiores aos do mesmo período de 2003. E isso não pode ser atribuído apenas ao caso Parmalat, que foi a ponta do iceberg em um setor que demanda profundas reestruturações.
Em janeiro, o leite tipo C foi negociado pelo produtor a R$ 0,422. No mesmo mês do ano passado, a valores corrigidos, o preço era R$ 0,445, uma queda real de 5%.
O setor precisa resolver problemas externos e internos. No campo externo, os produtores tiveram uma boa notícia na sexta-feira. O governo renovou as medidas antidumping e de preços mínimos para produtos vindos da Europa, Oceania e Mercosul.
No mercado interno, ainda há muito o que fazer. Os custos de produção sufocam parte dos produtores; há uma concentração das compras nas mãos de poucas indústrias; e a distribuição é feita por grandes redes varejistas. O poder de fogo das indústrias e do varejo diminui cada vez mais as margens de ganho do produtor.
A prorrogação das medidas antidumping é uma boa notícia, diz Maria Helena Fagundes, da Conab e da Câmara Setorial do Leite. Mas ela lembra que os preços internacionais, considerados parâmetro para essas medidas de defesa comercial brasileira, são formados com base em valores dos grandes participantes do mercado mundial, como a União Européia, que dá fartos subsídios.
Na área interna, "o Brasil precisa conquistar o próprio mercado para gerar emprego e renda", diz Fagundes. É necessária uma reorganização da cadeia produtiva, e este é o momento, afirma. O governo quer desenvolver as bacias leiteiras, que geram emprego e renda às pequenas propriedades, e a crise da Parmalat direcionou as discussões para o setor.
A técnica da Conab diz que o setor deve aproveitar o momento para tomar medidas que dêem sustentação para o setor no futuro. Uma saída, segundo ela, é o uso de créditos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a implementação dessa atividade.
Todos os analistas concordam em que o produtor é o elo fraco dessa cadeia. No período de safra, os preços recuam e, como ocorre agora, ficam até 40% abaixo dos custos de produção em algumas regiões, diz Eduardo Dessimoni, da Comissão Técnica do Leite da Faemg (Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais) e da Câmara Setorial do Leite da Secretaria de Agricultura de Minas Gerais. "Já os custos não têm safra e entressafra", diz Fagundes.
A saída é um fortalecimento das associações de produtores, da organização das entregas do produto às indústrias e o crescimento da participação das cooperativas. "O setor não pode ficar nas mãos de poucos", diz Dessimoni.
Gustavo Fischer Sbrissia, engenheiro agrônomo do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq-USP, diz que o Brasil caminha para o sistema da Nova Zelândia: uma diminuição no número de fornecedores para as indústrias, mas cada vez com volume maior. De 2000 a 2002, houve uma redução de 22% no número de fornecedores para as 15 maiores empresas do país. O volume ofertado, no entanto, não caiu.
É a chamada bonificação por volume. A indústria remunera melhor o produtor que entrega mais leite. Essa política, no entanto, é mais um empecilho para o pequeno produtor, diz Fagundes.
Uma das melhores saídas para os produtores é serem donos dos próprios laticínios, diz a técnica da Conab. Dessimoni concorda e diz que o importante é transformar o leite em não-perecível, o que dá mais poder de barganha para produtores e cooperativas. Essa criação de laticínios regionais é uma das propostas do próprio governo para o setor.

Cooperativas
Marcelo Costa Martins, assessor técnico da Comissão Pecuária do Leite da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), concorda que é necessário priorizar a atividade das cooperativas. É preciso desenvolver mecanismos de gerenciamento e ter visão de mercado. "Só um bom capim e vacas de alta produtividade não bastam para a atividade."
Sbrissia diz que o setor está mais competitivo hoje do que antes de 2001, quando o leite importado sufocava a produção interna. "Está sendo montado o alicerce para o país se tornar competitivo." Há uma fusão de cooperativas, e elas se tornam mais competitivas.
O engenheiro agrônomo do Cepea acrescenta, no entanto, que o produtor precisa buscar produtividade ainda maior e diminuir os custos para sobreviver. É necessária uma melhoria na gestão dos negócios, acrescenta.
Para Fagundes, a saída deverá passar pela aquisição de laticínios por cooperativas de produtores.


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