|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
A psicose da cascata
MARCOS CINTRA
Uma disfunção do sistema
tributário é a psicose anticumulatividade que acometeu boa
parte da sociedade brasileira.
Acabar com os tributos em cascata virou palavra de ordem e, como
tal, esse conceito perdeu significado concreto. Em recente entrevista, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, pregou o fim da
cumulatividade tributária, na
mesma oportunidade em que defendeu a alteração dos mecanismos de financiamento do regime
geral da Previdência mediante
uma nova tributação sobre faturamento. A contradição é gritante.
Já há vítimas dessa campanha
inquisitorial contra os tributos
cumulativos. A transformação do
PIS em tributo não-cumulativo
implicou aumento nominal de arrecadação de 54,21% (34,72% em
valores reais), em janeiro de 2003,
relativamente ao mesmo período
do ano anterior.
Excelente estudo elaborado por
Roberto Nogueira Ferreira sobre
o assunto conclui que o aumento
da receita do PIS em 2003 será da
ordem de R$ 7,2 bilhões e que, se
o mesmo critério for aplicado à
Cofins, a elevação da arrecadação
atingirá mais R$ 17 bilhões, ou
cerca de 1,8% do PIB, ou 10% de
acréscimo na receita administrada pela Secretaria da Receita Federal. Resta saber se a sociedade
brasileira suportará mais essa sobrecarga tributária.
Mais preocupante ainda é o fato
de essa elevação incidir em detrimento de setores como a agroindústria e os serviços e em benefício do grande comércio e da indústria. A resultante alteração nos
preços relativos da economia implicará efeitos alocativos desconhecidos, a ponto de o autor dos
estudos indagar "se a sociedade
estaria disposta a trocar um benefício não mensurado na competitividade do produto nacional (e
que pode ser facilmente anulado
por outros fatores) ... pela troca da
sistemática da incidência do PIS e
Cofins de cumulativa para não-cumulativa, por uma elevação
substancial e desigual na carga tributária global...". A percepção de
que a nova sistemática implicará
tal aumento de arrecadação certamente será mais um fator de estreitamento da base tributária nacional a ocorrer em futuro próximo por meio do aumento da evasão de impostos.
Se a primeira meta de qualquer
sistema tributário é arrecadar, decorre ser preciso que todos paguem, que a incidência tributária
seja universal. É evidente que, satisfeita a primeira condição, a de
arrecadar de toda a sociedade, deve-se buscar um sistema tributário mais simples, mais barato, que
tenha um bom padrão de incidência.
Mas, se essa condição (de arrecadar de forma universal) não for
satisfeita, a sobrecarga sobre os
contribuintes efetivos se tornará
insuportável, a evasão será estimulada e a arrecadação será comprometida. É como se um grupo
de dez amigos saísse diariamente
para almoçar e a conta fosse paga
sempre pelos mesmos quatro ou
cinco convivas. Sem dividir a conta por todos, a situação fica insustentável; os que pagam a conta
passarão a se recusar a arcar com
as despesas. Esse é o caminho que
será trilhado pelo Brasil se não se
reformar o sistema tributário de
modo a ampliar o universo de
contribuintes.
A estratégia defensiva utilizada
até o momento pelos contribuintes inconformados tem sido os setores mais fortes e mais organizados transferirem sua carga tributária para outros setores mais débeis, a exemplo do ocorrido com a
"retirada da cumulatividade" do
PIS. Mas esse caminho não é um
jogo cooperativo e certamente introduzirá instabilidades e conflitos latentes dentro da sociedade
que eventualmente levará o sistema tributário a um impasse.
Mas, para não gerar angustia
sem oferecer um fio de esperança,
cumpre mostrar que há saídas para o impasse.
A reforma tributária que o Brasil necessita deverá ser capaz de
manter a carga tributária global
constante (ao menos em um primeiro momento) e, ao mesmo
tempo, reduzir a carga tributária
para os atuais contribuintes, já sufocados pelo peso dos tributos
que arrecadam. Isso implica identificar um conjunto de tributos
que sejam capazes de universalizar a base de contribuintes e, assim, redistribuir a atual carga de
forma a desonerar os atuais contribuintes e onerar os que sonegam e os que se ocultam na informalidade. Essa proeza é possível
mediante uma nova composição
tributária que abra maiores espaços aos tributos não-declaratórios, como os impostos seletivos e
os impostos sobre movimentação
financeira.
A tabela anexa, elaborada a partir das matrizes insumo-produto
do IBGE, compara as cargas tributárias setoriais dos tributos indiretos declaratórios (ICMS, IPI,
ISS e as contribuições patronais
ao INSS) com um Imposto sobre
Movimentação Financeira com
alíquota de 1,92% no débito e no
crédito dos lançamentos bancários. Em ambos os casos a arrecadação é a mesma, ou seja, 14,7%
do PIB.
Nota-se a significativa redução
na carga tributária setorial. Em
outras palavras, a aplicação de um
imposto não-declaratório sobre
movimentação financeira reduz a
carga tributária dos atuais contribuintes em cerca de 70%, ao mesmo tempo em que mantém a arrecadação constante.
Vê-se que, enquanto no sistema
tradicional a variação nos preços
relativos dos setores vai de 19,88%
a 65,17%, a introdução de um IMF
faz esse impacto cair para uma
faixa entre 4,64% e 16,69%. O desvio padrão em relação aos preços
livres de tributos foi de 8% no sistema tradicional e de 3,41% com a
adoção de um IMF.
O que os dados da simulação
mostram é que qualquer outra linha de reforma, que não a de introduzir impostos não-declaratórios sobre movimentação financeira em substituição aos impostos convencionais, irá apenas procrastinar a busca de soluções para
as atuais mazelas do sistema tributário brasileiro.
Marcos Cintra Cavalcanti de
Albuquerque, 57, é doutor em Economia pela Universidade Harvard e professor titular e vice-presidente da Fundação
Getúlio Vargas. É autor do livro "A verdade sobre o Imposto Único", editora LCTE, 2003. Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
Texto Anterior: País fornece 34% das importações do Brasil Próximo Texto: Dicas/Folhainvest - Bolsa: Corretora troca ações da Vale e de siderúrgica pelas da Sadia e Telemar Índice
|