UOL


São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003

Texto Anterior | Índice

INVESTIMENTO DE FUTURO

Nos EUA, colégios de elite para moças mudam currículo para erradicar "analfabetismo financeiro" feminino

Meninas superpoderosas

JANE GROSS
DO "NEW YORK TIMES"

As meninas da escola Marymount, que ocupa três mansões de estilo na Quinta Avenida, em Nova York, estão decididas a controlar seu destino financeiro.
Na aula de estatística avançada, elas aprendem que os homens se casam com mulheres mais jovens e morrem antes do que elas, deixando um exército de viúvas. Num cálculo preliminar, descobrem que poupar US$ 1.000 por ano entre o 20º e o 30º aniversários rende um bolo maior do que poupar a mesma quantia dos 30 anos até a aposentadoria. Na aula de Matemática 12, esboçam em planilhas quanto tempo duraria esse fundo de aposentadoria, dependendo do valor inicial acumulado e de seu tempo de vida.
A Marymount é uma das muitas escolas para meninas dos EUA que declararam a "alfabetização financeira" uma prioridade educacional, essencial para a verdadeira igualdade entre os sexos. Essas escolas -cerca de duas dúzias, segundo a Associação Nacional de Escolas para Meninas- estão na vanguarda da tendência de ensinar sistematicamente as adolescentes a ganhar, gastar, poupar e investir com sabedoria, algo que poucas aprendem em casa.
Até agora, segundo especialistas, o movimento pela alfabetização financeira se limita às escolas particulares para meninas, que consideram sua missão produzir mulheres fortes e independentes e não são obrigadas a seguir o currículo das escolas públicas.

Domínio das finanças
"Nas escolas para meninas usamos muito a expressão "conquistar poder", diz a diretora de Marymount, irmã Kathleen Fagan. "Bem, é isso. O dinheiro não é maligno. Com o dinheiro vêm o poder e a oportunidade. Até no convento a gente entende isso."
O objetivo de escolas como Marymount é que as meninas dominem finanças pessoais básicas: juros compostos, dívidas no cartão de crédito, planejamento de aposentadoria, refinanciamento de hipotecas; viver segundo um orçamento e montar um plano empresarial. A inspiração é feminista: o príncipe encantado não virá salvá-la. "Felizes para sempre" geralmente é uma ilusão. As mulheres passam um terço de suas vidas sozinhas. Muitas acabam velhas e pobres.
"Muitas vezes as mulheres não levam isso a sério até que se vêem abandonadas e em dificuldades", diz Whitney Ransome, que dirige a Associação de Escolas para Meninas, que tem 103 membros, e há dois anos realizou uma conferência sobre o assunto.
"Preferimos dar a elas uma capacitação no começo da vida, garantir que compreendam que é sua responsabilidade ser um jogador, e não apenas um espectador. Mas essa mudança acontece pouco a pouco, escola por escola, quase menina por menina."
Na escola Holton Arms, em Bethesda, Maryland, as garotas da 8ª série recebem um "emprego" e um "salário" e têm de pagar impostos, seguro-saúde, alugar e mobiliar um apartamento e lidar com despesas de emergência.
Na escola Julia Morgan, em Oakland, Califórnia, as garotas da 6ª série fazem o mesmo, além de obter empréstimo para pagar a faculdade e doar uma porcentagem da renda para caridade.
Na Escola Preparatória de Meninas de Chattanooga, Tennessee, todas as aulas de matemática incluem temas financeiros, com palestras ocasionais. Na escola Miss Porter's, de Farmington, Connecticut, mães e filhas participam de seminários de planejamento financeiro.
Muitas pesquisas sustentam a necessidade de programas de alfabetização financeira, especialmente para adolescentes de ambos os sexos de famílias abastadas. Um estudo com 4.200 adolescentes de todo o país, feito pela Escola de Administração Simmons, mostrou que as garotas são menos confiantes em suas habilidades financeiras do que os meninos por uma margem de 15 pontos percentuais.
Uma pesquisa nacional feita em 2002 sobre alfabetização financeira entre alunos da 8ª série revelou notas em declínio nos últimos cinco anos. Não havia diferença em conhecimento, mas os meninos eram mais confiantes e tinham maior probabilidade de dominar técnicas quando necessário. Os adolescentes menos aptos vinham de famílias com renda acima de US$ 80 mil anuais.
"É mais difícil envolver crianças de maior poder aquisitivo", diz o professor Lewis Mandell, que dirigiu o estudo. "Elas vivem em uma redoma, gastam muito no cartão de crédito e telefonam para a mamãe para pagar a conta."
Os cartões de crédito já estão nas mãos de quase um terço dos alunos de 8ª série, segundo Mandell. Quando os adolescentes entram na faculdade, recebem em média 11 ofertas de cartão de crédito por mês e fazem uma dívida mensal média de quase US$ 3.000. As empresas de cartão de crédito os atraem com garrafas de água grátis e taxas iniciais de 2,9%, que saltam para 16,5% e chegam a 24,5% depois de alguns pagamentos em atraso.
Mandell espera que as escolas secundárias mistas e para meninos sigam as escolas de meninas, já que os padrões federais exigirão, a partir de 2006, que os alunos da 8ª série passem por uma prova de economia, sendo um terço de finanças pessoais básicas.

Desafios financeiros
Na escola Lincoln, em Providence, 70 alunas de 7ª e 8ª séries responderam a perguntas do questionário que Mandell usa em sua pesquisa, acertando 56% delas (a média nacional de acerto é de 50%). O teste exige conhecimento de índices de Imposto de Renda, juros sobre empréstimos, desconto na folha de pagamento e liquidez de investimentos.
As meninas da Lincoln foram bombardeadas por fatos e números sobre os desafios financeiros que as mulheres enfrentam e sua necessidade de auto-suficiência. Depois, dividiram-se em dois grupos para seminários sobre como pagar a faculdade e como evitar dívidas no cartão de crédito.
O seminário sobre cartão de crédito foi uma advertência: 12% das alunas de 7ª e 8ª séries da Lincoln os possuem. Algumas pretendiam rejeitá-los, mas ouviram que precisavam ter histórico de crédito para futuras aquisições.
Outras pareciam confusas diante de uma situação hipotética de US$ 1.000 em dívidas de cartão de crédito, taxa de juros de 16,5% e pagamento mensal mínimo de US$ 20. Com US$ 13,75 por mês só para pagar juros, as meninas foram informadas de que levariam mais de sete anos para saldar a dívida.
Lauren Hittinger franziu a testa, confusa. "Essa é uma pergunta idiota. Se você comprar uma blusa por US$ 26 e pagar tudo naquele mês, continua sendo US$ 26?"
A pergunta não era idiota, disseram a Lauren. E a resposta é sim: uma blusa de US$ 26 custa US$ 26, desde que você não tome dinheiro emprestado para pagá-la.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


Texto Anterior: FOLHA INVEST
Mercado acionário: Para analistas, Bolsa tem espaço para alta

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.