São Paulo, terça-feira, 24 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BENJAMIN STEINBRUCH

A droga dos juros


Agora, quando se exige um tratamento para reduzir essa dependência, surge o temor das crises de abstinência


O USO continuado de drogas causa dependência química, síndrome caracterizada pela perda de controle do usuário, que o leva ao consumo repetido dessas substâncias, com prejuízos para sua saúde e para seu convívio social.
É possível tratar e curar essa doença. Mas, inevitavelmente, o tratamento provoca crises de abstinência nos pacientes: insônia, tremores, irritação, ansiedade, dores, vômitos, febres e uma série de outros males. Paro aqui essa descrição para não levar um puxão de orelha do meu médico, dr. Fiori, amigo de muito tempo, por impropriedades. Trago o assunto a esta página, porém, porque na economia brasileira há evidências de uma grave dependência. Durante muitos anos, a economia se acostumou com a administração continuada de altas doses de juros.
Agora, quando a realidade da crise exige do país um tratamento para reduzir essa dependência, surge o temor das crises de abstinência. Se a redução da taxa básica de juros continuar -está ainda em 11,25% ao ano, uma das mais altas do mundo-, poderá haver uma corrida às cadernetas de poupança e importantes desequilíbrios entre os investimentos financeiros. A poupança é a única aplicação com juros fixos -6,17% ao ano mais TR- e com total isenção de Imposto de Renda, independentemente de seu valor.
Com a queda da Selic, base da remuneração dos fundos de investimento, há a possibilidade de que essas aplicações passem a render bem menos que a poupança. Nesse caso, se daria natural corrida às cadernetas, com esvaziamento dos fundos. Com um patrimônio de R$ 1,2 trilhão, os fundos são grandes compradores de títulos do governo e de empresas. Ou seja, são financiadores do governo e do setor privado. Por essa razão, estuda-se a possibilidade de acabar com os juros fixos da poupança, com possível vinculação desse ganho à taxa Selic.
Não se trata de medida politicamente fácil de ser tomada, porque a caderneta é uma instituição nacional, tradicional instrumento de poupança das classes de renda mais baixa. E também porque seus recursos servem a uma causa nobre, o financiamento de habitações. A segunda crise de abstinência de juros pode se dar no caso das dívidas dos Estados. Quando estas foram renegociadas, há 12 anos, os Estados aceitaram pagar à União juros de 6% ao ano mais correção pelo IGP-M.
Era, então, um contrato claramente subsidiado pela União, porque a taxa básica de juros estava em 30% ao ano. Agora, os papéis se inverteram. Com a Selic ameaçando cair abaixo de 10%, os Estados poderão ser levados a subsidiar a União, arcando com juros mais altos que os pagos aos tomadores de títulos federais.
Os juros em queda vão trazer ainda outros problemas, decorrentes de indexações remanescentes na economia. Haverá mais crises de abstinência, mas será possível superá-las. No caso da caderneta, por exemplo, pode-se manter o juro fixo apenas para pequenos poupadores. No dos Estados, as dívidas podem ser renegociadas, embora isso exija modificação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Só não é razoável insistir na continuidade da dependência dos juros, porque isso colocará o país fora do convívio social global, regido hoje por um consenso: o melhor remédio para a crise é o crédito farto e barato. O vício dos juros já foi responsável, durante longos anos, pelo desestímulo à atividade produtiva e pelo incentivo ao ganho financeiro fácil. É hora de exterminá-lo, mesmo tendo de enfrentar severas crises de abstinência. Estas, na verdade, são o sinal de que a libertação está próxima.

BENJAMIN STEINBRUCH, 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br



Texto Anterior: Administradores de fundos já mostram interesse por papéis
Próximo Texto: Puxadas por bancos, SP sobe 5,9% e NY, 6,8%
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.