São Paulo, terça, 24 de março de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
As cartas estão dadas

EDWARD J. AMADEO

Em geral, o primeiro item na lista das políticas para a geração de empregos é a "retomada do crescimento sustentado". Ponto pacífico. É comum ouvir que a economia brasileira tem crescido pouco. Nem tanto. Entre 1994 e 1997, o PIB brasileiro cresceu 16,8%, o que corresponde a uma média anual de 4%. Supondo crescimento de 1,5% neste ano, entre 1994 e 1998 o crescimento terá sido de 18,6% (ou média anual de 3,5%). A taxa média anual é maior do que na década de 80. Não se discute que seria melhor se a economia crescesse 7% em vez de 3,5%.
É verdade que a taxa de crescimento vem caindo: de 5,9% em 1994 para 4,2% em 1995, para a casa dos 3% em 1996 e 1997 e espera-se algo em
torno de 1,5% em 1998. Tem caído essencialmente devido a restrições externas: a economia não pode crescer porque o déficit da conta corrente do balanço de pagamentos pode atingir níveis críticos. A crise asiática diminui o nível crítico do déficit externo, restringindo assim a taxa de crescimento da economia.
Em tese, o governo tem três variáveis sob seu controle para calibrar o déficit externo, a saber, a taxa de câmbio, as tarifas sobre importações e o crescimento da economia (que responde à política fiscal e monetária). Claramente, a opção do governo é não mexer nas tarifas (manter a economia aberta) e procurar desvalorizar o câmbio um pouco acima da inflação (7,5% de desvalorização versus inflação de 3% em 1998). Dada essa opção, a taxa de crescimento da economia funciona como variável de controle para calibrar o déficit externo.
Segundo essa lógica, há duas saídas para que a economia cresça mais. Primeiro, deixar que o déficit externo cresça, o que significa fazer um convite à crise cambial. Segundo, aumentar tarifas e desvalorizar o câmbio, digamos 15% ao ano no lugar de 7,5%. Com a economia crescendo, digamos, 7% ao ano, a inflação aumentaria muito e, com o tempo, o cachorro (inflação) voltará a correr atrás do rabo (câmbio).
Portanto não há opção fácil. A opção do governo é manter baixa a inflação, consolidando a estabilização, com baixo crescimento. A opção alternativa seria crescer mais, ainda que com a volta da inflação. Na primeira opção, a esperança é que a reestruturação dos setores privados e público reduza custos a ponto de aumentar a competitividade das empresas, permitindo que a economia cresça com déficits externos menores. Na segunda, a esperança é que a economia brasileira esteja desindexada e, portanto, que a desvalorização não redunde na volta da espiral inflacionária.
As cartas estão dadas; cada qual faça o seu jogo.
Com a economia crescendo menos do que 3% ao ano, é provável que a produtividade do trabalho cresça mais do que o PIB, caso em que haveria queda do emprego. Além disso, como a população em idade de trabalhar está crescendo, a tendência seria de crescimento da taxa de desemprego.
Como mitigar essa tendência? Numa economia aberta, a redução dos salários em relação à produtividade permite a queda dos preços em dólares e o aumento da rentabilidade das empresas. Em ambos os casos o aumento da competitividade das empresas pode preservar e até fazer crescer o emprego.
É importante ter claro que para aumentar a competitividade das empresas basta que os salários em dólares cresçam menos do que a produtividade do trabalho. Essa condição não é incompatível com o crescimento do salário real -isto é, do poder de compra dos salários. Com desvalorização do câmbio maior do que a taxa de inflação (como em 1997 e, tudo indica, 1998), seria possível até que o salário real crescesse mais do que a produtividade. Se a taxa de câmbio for igual à taxa de inflação, o salário real teria que crescer menos do que a produtividade.
Entretanto, é possível que em determinadas situações para preservar (ou aumentar) o nível de emprego, o salário real tenha mesmo que cair para gerar o aumento de competitividade necessário. Daí a importância da flexibilidade salarial. Cabe discutir as formas de flexibilização: itens negociáveis, participação dos sindicatos, formas de negociação (individual ou coletiva), papel da Justiça do Trabalho.
Note-se que, sem crescimento da produtividade, a única forma de aumentar a competitividade das empresas é reduzindo salários. Se a produtividade crescer, é possível aumentar a competitividade mesmo com salários crescendo. Portanto, a base para o crescimento da competitividade, do emprego e dos salários, simultaneamente, é o crescimento da produtividade do trabalho.


Edward Amadeo, 41, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), é professor do Departamento de Economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro.
E-mail: amadeo@econ.puc-rio.br



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