São Paulo, terça, 24 de março de 1998

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ARTIGO
Antídoto para o desemprego

WANDER SOARES

A preocupação do presidente Fernando Henrique Cardoso com o desemprego, estampada recentemente nas manchetes da imprensa, responde à maior angústia da sociedade brasileira neste momento. Para o governo, o índice de 7,25% registrado em janeiro é um alerta de que providências devem ser adotadas com urgência.
Para os brasileiros incluídos nesse percentual -e, portanto, excluídos dos benefícios da economia-, o problema é muito maior, pois desafia a sua própria sobrevivência com um mínimo de dignidade.
Independentemente da estabilidade da moeda e do fôlego demonstrado pela economia nacional na resistência aos desdobramentos do "crash" asiático, a questão do desemprego merece uma análise mais aprofundada e soluções consistentes.
O desemprego estrutural, provocado pela exigência de reduzir custos e potencializar a produtividade, imposta pela competição acirrada no novo mercado global, é um problema que se manifesta em todos os países.
Esse fenômeno, que atinge principalmente o setor industrial, no qual a automação das plantas tem reduzido os postos de trabalho, tem sido equacionado, no Primeiro Mundo, pela migração de mão-de-obra para outros setores de atividades, especialmente os serviços.
A reciclagem profissional dos trabalhadores, para que assumam novas funções profissionais, tem sido facilitada, na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia, pela formação escolar básica, que, na média, é de boa qualidade nesses países.
No Brasil, o problema assume proporções mais sérias, sendo agravado pela política monetária de sustentação do Real, pela abrupta abertura das importações, sem que o parque produtivo estivesse preparado para competir internacionalmente, e pelo despreparo de grande contingente de trabalhadores, que começa na deficiência do ensino básico.
Esse último problema choca-se frontalmente com a nova realidade mundial: a automação exige mão-de-obra altamente especializada, capaz de trabalhar em ambientes marcados por tecnologias de ponta; a migração para os serviços dos remanescentes do desemprego estrutural também exige que os trabalhadores tenham formação educacional eficiente. Quem não preencher esses requisitos é relegado a segundo plano na disputa acirrada por uma vaga no mercado de trabalho.
Os índices de desemprego registrados em janeiro, que tanto preocuparam o presidente Fernando Henrique, podem agravar-se ainda mais ao longo deste ano, pois a tendência de dispensa de trabalhadores ainda não perdeu sua força vetorial.
Somente a indústria paulista demitiu 113.104 pessoas em 1997. Em outubro do ano passado, o índice de desemprego do IBGE para o Estado de São Paulo era de 6,68%, enquanto o Dieese divulgava taxa de 16,05%, revelando um quadro ainda mais grave.
Independentemente da discrepância dos índices, que desperta justificado ceticismo quanto às estatísticas no país, a verdade é que hoje quem perde o emprego dificilmente consegue recolocação na mesma função e com o mesmo salário. Por esse motivo, a qualidade do emprego caiu vertiginosamente. Resultado: baixos salários, vagas disputadíssimas e rigor nas contratações.
O mercado de trabalho tornou-se extremamente seletivo na busca de profissionais altamente capacitados. No entanto, as pessoas têm cada vez menos chances de se aperfeiçoar em seus ramos de atividade, por causa dos altos custos que tal desenvolvimento acarreta.
O círculo vicioso instala-se. Todo ano, ingressam no mercado de trabalho profissionais mais e mais despreparados, somando-se aos já existentes. A sua formação educacional é precária, porque o ensino básico é deficiente.
O país também carece de uma estrutura de ensino técnico-profissionalizante em nível de segundo grau, que, no mundo desenvolvido, prepara adequadamente número expressivo de trabalhadores para funções intermediárias, com remuneração digna.
A educação no Brasil é cara. Ou seja, o ensino de boa qualidade, um direito implícito à cidadania, não é democratizado. Assim, a competição pelos melhores postos no mercado de trabalho inicia-se, precocemente e de forma absolutamente heterogênea, nas salas de aula do ensino fundamental.
Os que têm oportunidade de pagar escolas caras e de boa qualidade saem muito na frente, na corrida para o futuro profissional, daqueles que buscam a oportunidade de uma vida melhor nas carteiras quebradas de sombrias salas de aula das escolas públicas.
Por isso, não há nenhum exagero em afirmar: uma das soluções mais eficientes para reduzir o desemprego, a médio e longo prazos, é o resgate da qualidade do ensino. Não se constrói uma nação apenas com tecnologia de ponta.
A inserção soberana e com vantagens competitivas do Brasil na economia global somente será possível se o país encontrar meios para se diferenciar num requisito fundamental e insubstituível: o talento humano.


Wander Soares, 56, economista e professor, é diretor de marketing da Editora Saraiva e vice-presidente da Abrelivros (Associação Brasileira dos Editores de Livros).



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