São Paulo, quarta, 24 de março de 1999

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LUíS NASSIF

FHC e o medo de inovar


FHC fala em construir o futuro. Enquanto isso, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) amarga um rombo potencial de R$ 50 bilhões, a Previdência continua operando dentro do regime de repartição (a contribuição de hoje pagando o benefício de ontem). Esgotado o estoque de estatais, de concessões e os limites de aumento da dívida pública, como o Estado pretende ressarcir os optantes? Por que não se utilizam as estatais para quitar esses passivos sociais?
Inquirido sobre o tema no programa "Roda Viva", o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, principal articulador político do governo, diz que a idéia é legítima, mas de longo prazo, e os problemas do governo são de curto prazo.
Esse é o problema básico do governo FHC. O presidente deixa recender um imediatismo e superficialidade surpreendentes. Sua visão de futuro é algo genérico, retórico, que não avança além da parolagem em torno do "novo Renascimento" ou a defesa de alguns conceitos básicos, já devidamente assimilados pelos usos e costumes nacionais.
Quando se entra no campo da ação, a ousadia retórica é substituída por preguiça, acomodamento, sei lá, um receio, pânico de inovar em qualquer frente e por uma capacidade admirável de levantar objeções a qualquer tipo de mudança -como o mais empedernido conservador que FHC gosta de vergastar em seus momentos de bonança.

Opção rica
O "encontro de contas" -juntar credores e devedores e proceder a acertos que levem a um novo desenho fiscal e de país- é uma opção riquíssima, do ponto de vista econômico, social e público. Mas é complexa e exigiria a montagem de um verdadeiro ministério incumbido de pensar seus detalhes.
Do ponto de vista dos ativos, o governo tem diversas maneiras de "fabricar" dinheiro sem ser inflacionário, ainda mais em um país que tem tudo por fazer. No mês passado, como poder concedente, por exemplo, criou uma concessão para a utilização das linhas de transmissão de eletricidade para serviços de telecomunicações e imediatamente gerou um ativo de, no mínimo, US$ 250 milhões.
Como credor de empresas privadas que devem para o fisco, tem o poder de transformar as dívidas em participação acionária. Muitas empresas têm passivos fiscais que as inviabilizaram. Sendo invendáveis, viram pó. Transformando os passivos em participação acionária, do pó nasce um ativo.
São exemplos simples sobre como promover uma estruturação patrimonial do Estado e "fabricar" dinheiro não inflacionário.
O encontro de contas passaria, inicialmente, pelo levantamento de todos os passivos públicos -de Estados com a União e vice-versa, de ambos com os fundos sociais etc. Depois, pelo levantamento de todos os ativos potenciais -de empresas estatais a imóveis, concessões, direitos de uso etc. e dívidas de empresas privadas com a Receita e o INSS.
Simultaneamente, se trataria de acelerar as leis que faltam para criar os fundos previdenciários estaduais e reformular o FGTS e demais fundos sociais. Ao mesmo tempo, se definiriam regulamentos para criar fundos de privatização, que teriam como sócios esses fundos e bancos de investimento privados -compartilhando das análises e dos riscos do investimento, sejam de estatais privatizadas e empresas privadas que seriam recapitalizadas. Há uma perna relevante, que é o aprimoramento das lei que regem o mercado de capitais.
No campo da privatização, haveria a necessidade de definir um novo modelo, que contemplasse os novos investidores e também sócios estratégicos, para a parte operacional das companhias privatizadas.
Tivesse um mínimo de visão concreta de futuro, não haveria como FHC deixar de dedicar nem que fosse um dia para entender todos os desdobramentos dessa idéia.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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