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São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Contribuição previdenciária de inativos?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

É defensável exigir contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas? Vamos recapitular um pouco. O servidor ativo faz contribuições previdenciárias para custear a sua aposentadoria e eventuais pensões. Como propor então que volte a pagar depois de inativo?
Tomemos o caso dos servidores civis da União, que contribuem para a Previdência com 11% da sua remuneração total. Uma determinada pessoa pode ter passado a sua vida profissional inteira como empregado do governo federal, sofrendo a retenção previdenciária correspondente na folha de pagamento, mês após mês. Agora, chega o governo, alega desequilíbrios financeiros e propõe que ele "contribua" com 11% sobre a parcela do benefício que exceder o limite de isenção do Imposto de Renda da pessoa física (atualmente de R$ 1.058).
Um pouco estranho, para dizer o mínimo. Trata-se, na realidade, de (mais um) imposto sobre a classe média, disfarçado de contribuição previdenciária.
Diversas propostas apresentadas pelo governo para a reforma da Previdência são válidas, ou pelo menos defensáveis. É defensável, por exemplo, a proposta de limitar a pensão da viúva ou filho(a) menor de 21 anos a 70% do valor da aposentadoria (preservando, porém, os benefícios de menor valor). Também é razoável estabelecer formas de reduzir as pensões de longa duração (nos casos de viúvas ou viúvos muito mais jovens do que o falecido ou falecida).
Outra mudança razoável é o aumento dos tempos mínimos para acesso ao benefício. O governo argumenta, com razão, que a ampliação do tempo mínimo de permanência no serviço público e no cargo em que se dá aposentadoria (hoje de dez e cinco anos, respectivamente) valoriza o funcionário de carreira, que dedicou a sua vida profissional ao serviço público, e evita distorções entre as contribuições feitas e os benefícios recebidos (Ministério da Previdência e Assistência Social, "Conheça a Reforma da Previdência Social", março de 2003, pág. 4, www.mpas.gov.br).
É válida, pelas mesmas razões, a proposta de benefício proporcional. Hoje, o tempo faltante para 30 ou 35 anos de contribuição pode ser completado com tempo de contribuição no Regime Geral de Previdência Social, administrado pelo INSS. Nesse regime, como se sabe, a contribuição do empregado se dá sobre uma parte da remuneração (alíquotas progressivas de 7,65% até 11%, conforme a faixa salarial, até um teto que é atualmente de R$ 1.561,56). Pelas regras em vigor, um aposentado que passou a maior parte do seu tempo de atividade no setor privado recebe, para o mesmo nível salarial, benefício idêntico ao que permaneceu todo o tempo no serviço público, contribuindo sempre sobre o seu salário integral.
Pela proposta do governo, o benefício passaria a ser calculado proporcionalmente ao tempo de contribuição em cada regime previdenciário. Só teria direito a aposentadoria integral o servidor cujo tempo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 para homens) tenha sido todo no Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos.
Até aí tudo bem. Mas como justificar a contribuição previdenciária de inativos? Argumenta-se, às vezes, que muitos dos beneficiários de aposentadoria integral não fizeram a contribuição previdenciária correspondente. Caberia, assim, uma cobrança a posteriori.
De fato, há muitas pessoas nessa situação, que pode ser considerada privilegiada. Por decisão política, funcionários contratados sob o regime da CLT passaram a ser estatutários e a ter o direito a aposentar-se com salário integral. Além disso, a legislação era, anteriormente, muito frouxa em matéria de exigência de tempo mínimo no serviço público e de exercício do cargo. Advogados em fim de carreira, por exemplo, fizeram concurso para juiz, exerceram a função por alguns anos e depois passaram a desfrutar de substanciais aposentadorias integrais. Um conhecido economista, ex-colaborador de FHC, fez concurso para uma universidade federal, deu aulas por poucos anos e se aposentou com remuneração integral. Confortavelmente empregado no sistema financeiro, o professor aposentado continua recomendando, com generosa cobertura da mídia, "austeridade na administração das contas públicas"...
Vamos admitir que seja possível, do ponto de vista legal, cobrar contribuição previdenciária de inativos. Nesse caso, se o governo quer, realmente, fazer uma reforma justa, o correto seria estabelecer contribuições inversamente proporcionais ao tempo efetivo de contribuição de cada servidor. Só seriam chamados a contribuir para o financiamento da previdência pública aqueles que não o fizeram, de forma integral, durante todo o seu período de atividade. Do servidor que tivesse contribuído o tempo todo sobre o salário integral, nada se cobraria.
Benefício proporcional, como quer o governo? Então a eventual contribuição de inativos também deveria ser proporcional.
Do contrário, ficará a impressão de que a União e os Estados estão buscando meios de fazer caixa sem dar atenção a critérios elementares de justiça.
O governo Lula vinha afirmando que a reforma tributária não traria aumento da carga de tributos, uma vez que esta já havia aumentado de forma muito significativa no período FHC (cerca de dez pontos percentuais do PIB em oito anos!).
Agora com a proposta de taxação dos inativos, combinada com a de aumentar para R$ 2.400 o teto do INSS, descobrimos que é por meio da reforma previdenciária que se está buscando novo aumento da carga tributária!


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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