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São Paulo, terça-feira, 24 de junho de 2003

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LUÍS NASSIF

A lógica dos juros

Vários leitores têm escrito solicitando que se tente trocar em miúdos a lógica por trás da política econômica, assim como a das críticas a ela.
Em política econômica, assim como no tratamento médico, o conceito central a perseguir é o do "equilíbrio". Tratamento virtuoso é o que cuida do paciente de maneira a preservar o equilíbrio geral do organismo. Se aparece alguma enfermidade aguda, concentra-se o trabalho em combatê-la. Passado o período crítico, reduz-se a ênfase, isto é, a medicação, para que outras partes do organismo não sejam afetadas.
Não existe a idéia da inflação morta e esquartejada. A manutenção da inflação baixa depende da manutenção do equilíbrio da economia.
Desde 1999, o Banco Central trabalha com o conceito de "metas inflacionárias" para monitorar a inflação. A única ferramenta que ele dispõe para tal é a taxa de juros.
Nos países desenvolvidos, onde essa política foi implementada, o aumento da taxa de juros provoca os seguintes movimentos:
1) aumenta o custo do dinheiro, reduzindo a tomada de financiamento e a manutenção de estoque e, por consequência, o ritmo da atividade econômica;
2) valoriza a moeda local, tornando mais baratas as importações e os produtos exportáveis. Esses dois movimentos ajudam a derrubar a inflação e, em geral, são muito sutis: aumentos de 0,25 ponto percentual, por exemplo, já produzem efeito.
A economia brasileira tem características que países desenvolvidos não possuem. A primeira delas é a indexação de contratos a índices de preços influenciados pelo dólar. A segunda é um mercado cambial extremamente volátil, um mercado estreito, de país que não tem moeda conversível -isto é, livremente negociada em outras praças. Basta entrar um pouco mais de dólares para o preço cair; basta uma eleição presidencial para o preço explodir.
A inflação é composta por um sem-número de preços. Há os preços indexados, os preços dos produtos comercializáveis (aqueles cujas cotações são definidas em dólares), os produtos importados e os produtos livres -aqueles que dependem da lei da oferta e da procura.
O canhão do Banco Central só atua sobre o último grupo de produtos. Portanto, quanto maior o aumento nos outros, maior será o peso dos juros sobre o quarto segmento. Continha simples: suponha que os preços dos quatro segmentos sejam 1 cada. Na soma final, dá 4. Se o preço dos três primeiros segmentos subir para 1,20, se quiser manter a conta em 4, o preço do quarto segmento terá que cair para 0,4. E como é que se derrubam os preços desse quarto grupo? Com recessão.
Nenhum país civilizado do mundo, desses apontados como sucesso da implantação dessas políticas, aceitaria praticar o modelo em um ambiente com tais vulnerabilidades. Isso porque o custo social e político seria insuportável.
Acontece que o Banco Central não quer interferir no câmbio. Trata-se claramente de uma opção política, para não mexer com o mercado. Sem interferir no câmbio e nos contratos indexados, quem paga a conta é o setor real da economia, na forma de recessão e desemprego.
Amanhã vamos abordar outros aspectos da questão.

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Luisnassif@uol.com.br


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