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São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Risco de aposentadoria precoce

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ao reduzir em 1,5 ponto percentual a taxa básica de juros, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) dá um sinal de que irá flexibilizar a política monetária. Pode-se lamentar o atraso; pode-se discutir também se uma redução um pouco mais acentuada, algo na faixa de dois a quatro pontos, não teria sido desejável, tendo em vista o comportamento dos índices de preços e a fraqueza preocupante da produção e do emprego. Um cínico diria: "Antes estávamos nos suicidando do 26º andar; agora estamos nos suicidando do 24º". Mas o fato é que o Banco Central começa, finalmente, a afrouxar o torniquete monetário.
Evidentemente, a decisão do Copom não modifica o quadro geral da economia, que está sendo submetida a uma política fundamentalmente hostil ao crescimento e à geração de empregos. Os juros reais, sobretudo nos empréstimos tomados pelas pequenas e médias empresas e pelas pessoas físicas, continuarão extremamente elevados. A exagerada revalorização cambial prejudica a produção e o emprego nos setores que exportam e nos que concorrem com importações. A política fiscal continua extremamente restritiva, superando as metas ambiciosas do acordo com o FMI.
Além disso, nada de importante foi feito até agora para enfrentar a principal restrição ao crescimento econômico: a crônica vulnerabilidade externa. O déficit de balanço de pagamentos em conta corrente diminuiu muito desde meados de 2002, mas pode voltar a subir perigosamente em razão da revalorização recente do real. A conta de capitais continua excessivamente aberta. E as reservas internacionais, primeira linha de defesa em momentos de turbulência, estão muito abaixo do que seria recomendável, como frisou Paulo Rabello de Castro em artigo publicado ontem neste espaço.
A reforma previdenciária, por sua vez, está muito marcada por um enfoque fiscalista e arrecadatório, o que tenderá a reforçar o movimento de retração da economia. Por conta dessa reforma, o governo federal colocou-se em confronto direto com o funcionalismo, elemento fundamental não só da sua base de apoio político mas das próprias condições de funcionamento do Estado.
Os servidores estão se sentindo não só agredidos em seus direitos mas traídos por políticos que, em muitos aspectos, praticam no governo exatamente o contrário do que pregaram e prometeram ao longo de suas vidas. Ora, só quem nunca passou por Brasília ou qualquer outra função pública pode imaginar que um governo tenha chances de funcionar sem o concurso do seu corpo de funcionários permanentes.
Em matéria de política macroeconômica, o governo Lula tomou o rumo errado. A cúpula política do governo já deve ter se dado conta disso. O presidente da República e o ministro da Fazenda indicaram, em diversos pronunciamentos, que aguardam o início de uma fase de crescimento econômico. Eles sabem muito bem que a sorte do governo depende da retomada do crescimento.
Se a recuperação da economia demorar ou vier fraca, como no governo FHC, bye-bye PT. Os amigos plutocráticos do "new PT" desaparecerão rapidamente. E os eleitores darão a resposta merecida nas urnas, primeiro em 2004 e depois em 2006.
O problema, volto a dizer, é que no Ministério da Fazenda e no Banco Central os postos de comando e influência estão, com poucas exceções, nas mãos de economistas e financistas conservadores, que pouco ou nada sabem sobre crescimento econômico e geração de empregos. Vários deles têm pouca ou nenhuma experiência de setor público. Quase todos se orientam pelos dogmas e superstições do pensamento econômico convencional, já bastante desmoralizado pelos fracassos e desastres que produziu no Brasil e em vários outros países em desenvolvimento. Como disse o meu amigo Luiz Gonzaga Belluzzo, esperar dessa equipe econômica uma nova política de crescimento é como encomendar comida italiana a um cozinheiro chinês.
Entre as ilusões do pensamento econômico convencional está a noção bastante esdrúxula de que às políticas fiscal e monetária cabe, às vezes, dar demonstrações dramáticas de austeridade, "cortar na carne" se necessário, para convencer os mercados de que o governo merece confiança. Aplicado esse "choque de credibilidade", o setor privado voltaria a investir, propiciando as condições para o crescimento.
Essas e outras fábulas econômicas contaram com bastante apoio nos meios acadêmicos norte-americanos em certa época, mas não funcionaram muito bem no mundo real. Uma razão é que as medidas recomendadas para gerar credibilidade (altas taxas de juro, restrições ao crédito, cortes de gastos públicos, aumentos de impostos) geram antes de mais nada diminuição da demanda agregada. Em consequência, as vendas diminuem, os estoques se acumulam e os níveis de produção acabam caindo. A recessão se instala, o desemprego cresce, a capacidade ociosa das empresas também. Nesse ambiente, a recuperação da "credibilidade" transforma-se em miragem.
E os políticos que compram por muito tempo esse tipo de pacote ortodoxo acabam na aposentadoria precoce.


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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