São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Independência financeira


As turbulências comprovam que não se deve deixar a sorte da economia nacional nas mãos da finança internacional

"HÁ POESIA em tudo", escreveu Fernando Pessoa. Até na turma da bufunfa? Não. Na turma da bufunfa, não. Nada mais antipoético, nada mais antiestético do que essa nociva confraria.
O leitor conhece a minha aversão aos bufunfeiros, especialmente à fração hegemônica da turma -a bufunfa financeira. Motivos não me faltam. A atual crise financeira nos EUA e na Europa Ocidental é o exemplo mais recente do estrago que a ganância e a especulação desenfreada podem fazer.
Um dos grandes problemas da economia contemporânea talvez seja a hipertrofia dos sistemas financeiros.
A concentração de poder e recursos nessa área produz imensas distorções e freqüentemente subordina os governos, os bancos centrais e as políticas públicas aos interesses da finança internacional. Nos últimos anos, em toda parte, as palavras de ordem eram desregulamentação e liberalização.
O resultado foi uma crise financeira monumental nos EUA e em grande parte da Europa. A crise está sendo contida e digerida a duras penas e com forte intervenção dos governos e dos bancos centrais.
O leitor conhece a turma da bufunfa pessoalmente? Se não conhece, não perdeu nada. Arrisco dizer que nunca tanto poder e dinheiro esteve concentrado nas mãos de gente tão idiota. Estou exagerando? Talvez.
Não quero ser agressivo demais. Mas não esqueça, leitor, que um certo tipo de idiotice é perfeitamente compatível com a capacidade de acumular dinheiro. Essa capacidade depende de outros atributos que não a inteligência -esperteza, falta de escrúpulos, agilidade, hiperatividade etc.
Volto um pouco a Fernando Pessoa. O grande escritor português se considerava um nacionalista. "Por isso", observou, "me foram sempre origem de repugnância e asco todas as formas de internacionalismo, que são três: a Igreja de Roma, a finança internacional e o comunismo."
Isso foi escrito em 1929. Desde então, duas das três formas de internacionalismo por ele mencionadas -a Igreja Católica e o comunismo- entraram em franca decadência. Em compensação, a finança internacional tomou proporções gigantescas.
Mostra-se capaz de desestabilizar economias inteiras -até as de grande porte.
Pessoa teria certamente uma síncope se fosse obrigado a conviver com os bufunfeiros de hoje, ele que escreveu em outra ocasião: "É realmente duro ter de estar todos os dias "at home" para a Asneira e ter de a entreter com chá de banalidade e bolos de transigência".
Asneira, com "a" maiúsculo mesmo, é a palavra apropriada para caracterizar muitas idéias que prevaleceram sem grande contestação no mundo das finanças até a eclosão da crise, em 2007. Entre elas, a idéia de que os mercados financeiros são eficientes. Ou a de que as autoridades podem confiar, em grande medida, na capacidade de auto-regulação das instituições financeiras privadas.
Essas ilusões foram para o espaço.
Hoje, já é basicamente aceita a interpretação de que o modelo de regulação "light" adotado nos EUA e em outros países desenvolvidos permitiu os excessos especulativos que levaram à crise financeira. Uma palavra final sobre o Brasil.
Para quem ainda tinha dúvidas, as turbulências recentes devem servir como comprovação final de que não se deve jamais deixar a sorte da economia nacional nas mãos da finança internacional. Os países bem-sucedidos são os que regulam cuidadosamente o sistema financeiro, mantêm ajustadas as contas externas e fiscais e preservam a sua independência em relação a capitais estrangeiros.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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