São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2004

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LUÍS NASSIF

A elegia do ilícito

Anos atrás , Júlio Cortázar escreveu um conto clássico, do menino que morre em uma casa e cuja morte é escondida da avó. A casa continua a funcionar, as conversas, a fluir, como se o menino continuasse vivo.
O caso Opportunity Fund -condenado ontem pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários)- lembra o conto. Como se recorda, o fundo participou de privatizações brasileiras e do bloco de controle de gigantes do mercado. Os recursos entraram no país por meio do anexo 4, uma forma de transferência exclusiva de não-residentes. O Banco Central veda expressamente a presença de residentes no fundo, pelas implicações fiscais e cambiais.
O relatório da CVM baseou-se em denúncias de um investidor residente, Luiz Demarco, que sustentou ter aplicado no fundo sem que tivesse sido informado pelo Opportunity de que os recursos eram transferidos para o exterior. Divulgou-se também uma lista apócrifa de 30 brasileiros que fariam parte do fundo. Durante a investigação, a CVM não comprovou objetivamente as suspeitas sobre os brasileiros, mas constatou que as cotas foram vendidas internamente.
Em vez de solicitar às autoridades de Grand Cayman informação sobre a existência ou não de brasileiros no fundo, a CVM pediu informações sobre pessoas físicas específicas -informações que, como é de conhecimento geral, as autoridades só disponibilizam para casos comprovados de origem criminosa do dinheiro. Bastaria pedir ao banco custodiante a composição da nacionalidade dos cotistas.
Os suspeitos depuseram acompanhados de advogados do Opportunity. No depoimento, sustentaram que aplicaram em reais, e não em dólares. Agora, são acusados pelos mesmos advogados de não terem mencionado sua condição de residente no país.
De repente, aparece um cadáver em plena sala: o CD do MTB Bank, enviado por um procurador nova-iorquino com a relação de investidores brasileiros, cujos recursos transitaram por doleiros, passaram pelo MTB e parte deles aportou no Opportunity Fund. Como é que faz? O CD é de conhecimento da Secretaria da Receita Federal, da Polícia Federal, da Comissão Parlamentar de Inquérito do Banestado. Já foi distribuído para jornais e comentado por toda a mídia. Mas não aparece no relatório da CVM. O cadáver está esticado em plena sala.
Pior, embora endossando a condenação do Opportunity Fund, as declarações do presidente da CVM, Marcelo Trindade, são de uma gravidade extrema, partindo de um advogado e do presidente do órgão regulador máximo do mercado. Em seu voto, declarou que o assunto é "totalmente irrelevante para o mercado de capitais". E disse duvidar de que o Opportunity seja a única instituição brasileira a cometer tal ilícito no Brasil.

Impressão digital
O Serpro informa que colocou em consulta pública licitação envolvendo inicialmente 58 mil máquinas de biometria e identificação digital para controlar a freqüência escolar para o Ministério da Educação, em função do Fundef e da Bolsa-Escola. Exigem-se tecnologia nacional e código aberto.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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