São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

A política industrial que não houve

ANTONIO BARROS DE CASTRO

José r oberto Mendonça de Barros e Lídia Goldenstein apresentaram em 1997 uma visão otimista do que se passaria com as empresas industriais brasileiras, em decorrência da abertura e da estabilização.
Numa primeira fase elas testariam o mercado doméstico com novos produtos (importados). Na medida em que a resposta se revelasse favorável, elas passariam para uma segunda fase, de investimentos. O passo seguinte, presumivelmente, seria o avanço das exportações.
A mensagem principal era que estavam sendo montados círculos virtuosos do crescimento; o recado menos importante, mas politicamente muito oportuno para o governo, era que o êxito requeria algum tempo -o que os críticos do processo não percebiam.
O texto (que estou citando de memória) era sem dúvida estimulante e provocativo, e sua evocação hoje pode ser em mais de um sentido útil. Primeiramente, por fornecer um roteiro para indagações sobre o que, afinal, não deu certo. Além disso, para dar moldura a uma importante (nova) questão: a indústria parece estar finalmente ingressando numa fase em que as exportações tendem a se expandir. É bem verdade que, dada a prostração da economia mundial, a ampliação do volume exportado requer preços predatórios e não poderá se traduzir, a curto prazo, num elevado ritmo de crescimento dos valores exportados. Ainda assim, por caminhos bastante imprevistos (e nada amenos), estamos chegando à terceira etapa. Faço no que segue algumas observações a esse respeito.
Na forma em que foi enunciado, o modelo só se aplicaria, na melhor das hipóteses, a multinacionais -que possuíam em carteira numerosos produtos ainda não testados no mercado brasileiro. Ainda nesse caso, contudo, a transição para fase exportadora era uma hipótese altamente duvidosa. Lembro-me de que se dizia à época, a esse respeito, que tornar-se competitivo no mercado doméstico levava, naturalmente (numa economia aberta), a exportar. A presunção era enganosa.
Ignorava o fato de que os novos produtos a ser lançados no Brasil defrontavam-se, nos centros desenvolvidos, com mercados saturados. Em tais condições, exportar significativamente exigiria a concessão de cotas de mercado à filial brasileira. Em outras palavras, supor que a mera conquista de competitividade no mercado local abre as portas do mercado internacional é um equívoco. Aliás, convém lembrar, o mercado doméstico continuava relativamente protegido e, digamos, particularmente apetitoso. Quando mais não seja, pela voracidade da demanda comprovada a cada movimento de retomada. Numa palavra, as multinacionais tinham que ser, de alguma maneira, induzidas a exportar...
E quanto às empresas nacionais, o que dizer?
O seu problema maior consistia em renovar produtos e processos para reafirmar-se no ambiente transformado. Muitas conseguiram, penosamente, fazê-lo. No caminho, porém, ficaram empresas promissoras, essencialmente, por não ter acesso a fontes de financiamento capazes de alavancar as mudanças necessárias, em tempo hábil. É bem verdade que esse não era o único problema. Como disse o empresário Sérgio Prosdócimo, em recente entrevista, as empresas estavam, também, "cansadas de levar sustos". Para praticamente todas as empresas domésticas, contudo, as deficiências do mercado brasileiro de capitais eram um sério obstáculo. E é face a "falhas de mercado" desse tipo que as políticas industriais costumam ser eficazes...
Parte da aversão que este país cultivou às políticas industriais -e das quais resultaram prejuízos e improvisações- nutriu-se, na prática, da sobrevalorização do real no período de 1994 a 1998. De fato, num contexto de moeda fortemente apreciada, quem se solidarizaria com indústrias que (até muito recentemente) produziam "carroças" a elevados custos? Felizmente um bom número de empresas sobreviveu e parece haver se qualificado para conviver no ambiente de uma economia (razoavelmente) aberta. Muitas, porém, desapareceram. Governos de outros países não teriam agido assim. Isso é típico da América Latina e de sua tendência para a auto-incriminação e a autoflagelação.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.



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