São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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ZONA FRANCA

Com a concessão da Infraero e da Receita, grupo Brasif domina rede de duty-frees no Brasil e fatura US$ 280 mi

Empresa monopoliza free shop sem controle

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há quase 30 anos, o grupo Brasif, dono de um faturamento anual de US$ 280 milhões, domina praticamente sozinho e explora no Brasil os duty-frees -lojas francas instaladas nos aeroportos para vender produtos importados isentos de impostos- com a concessão da Infraero (Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária), ligada ao Ministério da Defesa, e da Receita Federal, ligada ao Ministério da Fazenda.
Esse monopólio -só em Salvador há outra empresa que explora o serviço- é marcado por informações divergentes sobre concorrência, cifras que o negócio movimenta, valores dos repasses para o governo e por rumores de favorecimento político. O senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) já foi apontado como um dos sócios da empresa. Ele nega. Em São Paulo, Brasif e Infraero informam que a empresa tem permissão para manter os free shops até 2014. Já a Receita afirma que o prazo acaba em maio de 2006.
O mineiro Jonas Barcellos Corrêa Filho, dono da Brasif S.A. Exportação e Importação, abriu sua primeira loja em 1978, no Rio de Janeiro, em parceria com a empresa inglesa Allders, que dominava os free shops na Inglaterra. Na década de 80, a Brasif acabou comprando os 40% do capital que pertenciam à empresa inglesa.
Por meio de licitações e prorrogações de contratos, o empresário conseguiu expandir o negócio para oito Estados brasileiros, onde possui hoje 23 lojas francas.
Concorre praticamente sozinho nas licitações abertas para os aeroportos, já que detém o know-how. E, nos locais onde já está, consegue prorrogar contratos na Justiça apoiado em portarias que regulam o negócio no Brasil.
É o caso do seu contrato com a Infraero e a Receita Federal para manter seus free shops no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Em 1984, a empresa transferiu sua loja franca do aeroporto de Congonhas, onde estava desde 1979, para Cumbica, que passou a operar os vôos internacionais.
Com a transferência, ganhou um prazo da Infraero, responsável pela cessão de área nos aeroportos, para permanecer por mais 15 anos -até 1999. Outra prorrogação do contrato lhe deu o direito de manter as lojas por mais 15 anos -até 2014, segundo informam a empresa e a Infraero.
Apesar de a Receita e a Infraero comandarem juntas os processos de licitação, a Receita em São Paulo informa que o prazo "alfandegado" termina em 2006. Nessa data, será feita nova licitação. A Receita informa que a portaria 204, de 1996, dá condições para uma empresa operar o negócio.
Brasif e Infraero afirmam que a extensão dos prazos é uma forma de compensar a empresa pelos investimentos feitos nas reformas das lojas nos aeroportos, na abertura de novos pontos-de-venda, além de amortizar prejuízos com a queda do número de passageiros nos últimos anos, com base na portaria 774, de 1997.
A Folha solicitou cópia dos contratos firmados com a Brasif, mas foi informada pela Receita e pela Infraero de que os documentos eram antigos e difíceis de serem localizados em poucos dias. A reportagem também pediu informações sobre o faturamento das lojas e o valor arrecadado pela Receita e pela Infraero com o repasse de taxas pagas pela Brasif.
"Não posso dizer. É estratégico. Se contar, vou despertar a concorrência", diz Corrêa Filho. A Receita e a Infraero informam que os contratos estão sob sigilo fiscal pelo Código Tributário Nacional.
Sobre o faturamento dos free shops, a Brasif é obrigada a pagar à Receita 6% das vendas de mercadorias estrangeiras e 3% de produtos nacionais. Para a Infraero, o percentual varia por contrato, mas chega a ser determinante para uma empresa ganhar a concorrência, segundo a Folha apurou.
Em São Paulo, por exemplo, a Brasif paga 12% de sua receita mensal à Infraero. "Cerca de 30% da venda das lojas vai para pagamento de contribuições e impostos", diz o empresário mineiro.

Amigos
O poder de fogo da Brasif vai além de sua infra-estrutura comercial e logística, montada desde a década de 70 no Brasil e no mundo. Com amigos influentes em Brasília, Corrêa Filho conseguiu, por exemplo, derrubar medida criada no governo FHC para limitar a US$ 300 por pessoa (eram US$ 500) o gasto nos free shops, segundo a Folha apurou.
De um pacote fiscal de 51 medidas lançado em 1997 para salvar o Plano Real, a primeira a cair foi essa -apesar da necessidade do país de reduzir a saída de dólares.
Sua loja no aeroporto de Confins (MG) é mantida pela "política da boa vizinhança", como ele diz.
"Sabe por que entramos em Belo Horizonte? Por pressão de amigos e políticos. Todo mundo pedia, o governador, a sociedade. Abriram a concorrência, e o que ocorreu? Entramos sozinhos. Ninguém quis participar, porque não se ganha dinheiro lá. Em Brasília, idem." Perder dinheiro em algumas lojas compensa, na sua análise. "Ganho dinheiro no todo do negócio. Em Fortaleza, a gente não ganha. Em Porto Alegre, dá um pouquinho. Perdemos muito dinheiro em Recife. Só agora começou a melhorar. O grosso está em São Paulo e no Rio."


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