São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Luiz Augusto de Castro Neves quer aumentar produtos industrializados brasileiros no mercado chinês

Vender mais à China é desafio de embaixador

CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

Às vésperas de completar 61 anos, o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves começa a enfrentar o maior desafio de seus 36 anos de carreira diplomática: reforçar o relacionamento entre Brasil e China e aumentar a venda de produtos industrializados brasileiros para o país asiático.
O salto na venda de soja no ano passado levou o comércio bilateral a reproduzir o padrão de relacionamento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, que Castro Neves chama de "Norte-Sul" -o Brasil vende à China produtos agrícolas e compra daquele país bens industriais de maior valor agregado.
Economista com pós-graduação na Universidade de Londres, Castro Neves representou o Brasil no Paraguai antes de assumir o posto de embaixador em Pequim, há duas semanas.
A seguir, trechos da entrevista de Castro Neves à Folha.
 

Folha - Qual será a prioridade do sr. como embaixador na China?
Luiz Augusto de Castro Neves -
Será trazer o relacionamento Brasil-China ao patamar que ele deve ter entre dois grandes países. O que estamos vendo na China é comparável ao que ocorreu nos Estados Unidos na segunda metade do século 19 e no princípio do século 20, quando houve extraordinária expansão da economia. Na China, o crescimento atinge taxas imensas e, dada a dimensão da economia, estamos assistindo a sua emergência como economia de primeira grandeza.

Folha - Quão distante está o relacionamento bilateral desse patamar a que o sr. se referiu?
Castro Neves -
O relacionamento está em fase de franca expansão. O Brasil e a China começaram timidamente, estabelecendo relações em 1974, e nos últimos 15 anos tem havido um processo contínuo de aproximação, que talvez não tenha tido inicialmente a velocidade que seria desejável, até mesmo por falta de tradição brasileira nessa área. O Brasil sempre procurou concentrar suas exportações em poucos produtos estratégicos, com certa prudência em explorar mercados não-tradicionais. A China é uma prioridade nas relações do Brasil, o que pode ser demonstrado pelo fato de que ela está passando a ser o segundo mais importante parceiro comercial do Brasil, superando a Argentina, nosso sócio tradicional no continente.

Folha - O que se pode esperar da visita do presidente da China, Hu Jintao, ao Brasil?
Castro Neves -
Há a expectativa de que ela seja uma espécie de seguimento de todas as questões que foram suscitadas durante a visita do presidente Lula à China. A visita do presidente Lula evidenciou a prioridade que o Brasil atribui à China. A visita do presidente Hu Jintao é recíproca, e coloca em evidência a prioridade que a China atribui ao Brasil.

Folha - A China dá ao Brasil a mesma importância que o Brasil dá à China?
Castro Neves -
Aí é necessário ver a situação do ponto de vista de importâncias relativas no contexto mundial. A China é uma potência nuclear, é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e tem agendas negociadoras com a União Européia, com os EUA, com a Rússia, que são diferentes das agendas do Brasil. Nesse contexto, o Brasil ainda é um país de porte médio, embora tenha potencialidades. Isso faz com que a presença do Brasil na agenda global da China não seja tão marcante como a presença da China na agenda global do Brasil. A China é o segundo parceiro comercial do Brasil, e o Brasil é o décimo fornecedor da China.

Folha - Quais são os riscos para o Brasil da relação com a China?
Castro Neves -
Como a China, o Brasil está buscando colocar sua economia na rota do crescimento para sair da categoria de país em desenvolvimento para se tornar um país desenvolvido. Em uma economia muito mais globalizada, a competição se torna mais acirrada. Há uma série de campos nos quais a China está obtendo vantagens comparativas, como no setor têxtil. Tem havido uma verdadeira invasão de todos os mercados por produtos chineses.

Folha - As pautas de exportações dos dois países são muito distintas. O Brasil se concentra em produtos primários, e a China, em produtos mais sofisticados. Qual o grau de preocupação do governo brasileiro em relação a esse desequilíbrio?
Castro Neves -
A expansão das exportações de commodities por parte do Brasil fez com que houvesse "a primarização" da pauta de exportações para a China. Isso nos levou a reproduzir, no âmbito Brasil-China, uma relação comercial Norte-Sul, na qual a China seria o Norte, e o Brasil, o Sul. Essa dicotomia entre bens agrícolas versus bens industriais, sempre atribuindo-se aos industriais maior valor agregado e capacidade de preço maior, está sendo matizada pouco a pouco. O que vimos no Brasil nos últimos anos foi um enorme crescimento do agronegócio, que está por trás do desempenho recente da economia. O agronegócio impediu que houvesse uma contração da economia brasileira e é um dos carros-chefe do crescimento.

Folha - Quais são os setores que poderiam ser explorados?
Castro Neves -
O BNDES fez um estudo avaliando setores nos quais a China ainda ficará dependente de importações por 10, 15 anos e creio que é o momento de tornar esse estudo mais específico. Um dos setores é o de linha branca, de compressores de geladeira. O Brasil já tem uma fábrica na China, a Embraco, e é uma área na qual poderia atuar com mais determinação para atender à demanda chinesa. A propensão de consumir do chinês ainda é muito baixa, mas está aumentando. O chinês consome apenas 53% do Produto Interno Bruto, o que é muito pouco, e tem uma taxa de poupança extraordinária de 47%. Isso não vai perdurar para sempre. No Brasil, a taxa de poupança é de 18%, e o consumo, de 82%.

Folha - As expectativas que se criaram no Brasil em relação aos benefícios do relacionamento com a China são realistas?
Castro Neves -
A visita do presidente Lula criou uma série de expectativas, muitas legítimas, outras à revelia do governo, talvez um pouco menos realistas. Mas o conjunto foi mais ou menos realista. O desafio é ter uma idéia clara do que é viável e o que não é, e trabalhar para aproveitar as oportunidades. Existe a oportunidade de aumentar as nossas exportações para a China e de importar da China produtos competitivos de que o Brasil precisa para assegurar seu crescimento. Outro dado relevante é a questão de investimentos no Brasil.

Folha - Esse ponto foi justamente o que gerou as maiores expectativas no Brasil...
Castro Neves -
As pessoas ficam entusiasmadas e começam a aparecer projetos de todo tipo. É preciso saber em que setor o investidor está interessado. Na área de soja o Brasil tem uma infra-estrutura que deixa a desejar para escoar a produção. Existe campo para investimento na malha ferroviária, que aumentaria a competitividade das exportações brasileiras e o interesse chinês em importar do Brasil. Então, o investimento chinês nesse campo significa um benefício para a China.


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