São Paulo, terça-feira, 24 de outubro de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

Conciliação econômica


O novo presidente tem a obrigação de fazer um corajoso enxugamento nas contas públicas

É NATURAL que, passadas as eleições, as forças moderadas passem a clamar e trabalhar por conciliação política. O país não pode conviver eternamente no acirrado clima de campanha eleitoral, sob pena de prejudicar a atividade econômica. Isso não quer dizer, entretanto, que falcatruas do passado e possíveis crimes eleitorais devam ser jogados para debaixo do tapete.
A apuração desses ilícitos precisa continuar, para esclarecer responsabilidades e punir culpados. Seja qual for o resultado da eleição de domingo, a partir de segunda-feira o país vai precisar, além do entendimento político, de conciliação econômica. Ainda que o debate de programas não tenha sido muito produtivo durante a campanha presidencial, alguns consensos emergiram.
Unanimidades nacionais não poderão mais ser desprezadas pelo novo governante, seja Lula, seja Alckmin. A primeira delas refere-se ao crescimento da economia. Nenhum país emergente se sustenta, política ou economicamente, sem expansão contínua de atividade produtiva.
Crescer é fundamental para melhorar o bem-estar da população, e isso não deve ser apenas uma ambição de governantes. Deve ser obstinação. Em nome da conciliação econômica, algumas medidas podem e devem ser tomadas com urgência, independentemente de reformas estruturais, para que o país não fique marcando passo enquanto promove o debate necessário para mudanças na Previdência e nas áreas tributária e trabalhista, que terão de vir a médio prazo.
O novo presidente tem a obrigação de fazer um corajoso enxugamento nas contas públicas, para expurgar com um só golpe ineficiências e gastos não essenciais. Apesar das blindagens constitucionais, que criam despesas compulsórias, os resultados desses expurgos não são desprezíveis para marcar o início de uma administração austera. O objetivo é concentrar recursos naquilo que é essencial, os investimentos.
A falta de investimento público está na origem da semi-estagnação que dominou a economia do país nos últimos três governos. Para 2007, o Orçamento prevê investimentos pífios, de R$ 16 bilhões, repetindo a dose homeopática ministrada nos anos recentes.
Isso não pode continuar. Além do corte de gastos, há que reduzir o absurdo dispêndio da União com juros da dívida pública. Nessa área, existe larga margem para economias. Por um capricho injustificável do Banco Central, o país deve gastar neste ano cerca de R$ 160 bilhões com juros da dívida pública. Ficou evidente que a dose de juros aplicada em 2006 foi muito além da necessária para a estabilidade, porque a inflação deve ficar quase dois pontos percentuais abaixo da meta de 4,5%. Ou seja, houve um erro que tirou do setor público a possibilidade de investir algumas dezenas de bilhões de reais em obras essenciais, educação, saúde, habitação e infra-estrutura.
O economista Luciano Coutinho calcula que uma redução substancial na taxa de juros, que ainda está em nível elevadíssimo (9% em termos reais), possa resultar em economia de R$ 85 bilhões nos próximos dois anos.
A conciliação econômica, portanto, exige que se ponha fim à arrogância ortodoxa do Banco Central. E isso só depende da escolha correta e equilibrada de pessoas que vão comandar essa instituição. A ação imediata do novo governo, portanto, tem de ser no sentido de desatar rapidamente os nós que impedem o país de crescer a taxas entre 5% e 6% ao ano, um ritmo aceitável enquanto não são atacados os problemas estruturais -o Brasil, outra vez, vai superar apenas o Haiti, na América Latina, em matéria de expansão do PIB.
Feito isso, a tarefa política precisará se concentrar na negociação das reformas básicas para garantir a sustentabilidade do crescimento: a tributária, para reduzir a carga de impostos, que alcança 37% do PIB e desfalca o setor produtivo; a previdenciária, para atenuar um déficit que atingirá mais de R$ 40 bilhões neste ano; e a trabalhista, para colocar o país em nível de competitividade mundial.
Ao votar domingo, portanto, o eleitor terá de levar em conta também essas questões e, no seu íntimo, decidir qual dos dois candidatos tem condições e quadros para enfrentá-las com mais garra e competência.


BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br


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