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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Ainda o novo metabolismo
Com o real forte, as empresas giram a mão-de-obra e contratam novos funcionários
com salários mais baixos
A DIVULGAÇÃO dos dados abertos sobre o comércio exterior
brasileiro até outubro permite-nos aprofundar o acompanhamento do que chamei de novo metabolismo da economia brasileira. Essa nova dinâmica está associada à
passagem de uma economia de mercado aberta com escassez de dólares
para uma com um excedente estrutural de moeda forte. Não se encontra em livros-texto uma análise sobre essas mudanças, o que tem impedido sua compreensão por muitos
de nossos economistas. O pensar
keynesiano -e não a teoria- há
muito foi retirado da maioria dos
currículos das grandes escolas de
economia no Brasil.
Faço de início uma observação de
natureza técnica: para retirar os movimentos ainda significativos dos
preços em dólares de nossas importações, a equipe da Quest Investimentos trabalha com dados físicos.
Além disso, dividimos nossas compras no exterior por grupos: bens de
capital, intermediários, duráveis e
semiduráveis. Isso precisa ser feito
porque a influência das importações
na determinação da oferta interna é
bem diferente em cada uma dessas
categorias.
Feitas essas observações, vejamos
o que esses dados mais recentes
mostram. O setor de bens duráveis é
o que reflete, de maneira mais clara,
o que vem acontecendo neste novo
Brasil de dólares saindo pelo ladrão.
Tomando a quantidade de bens de
consumo duráveis em 1996 como
100, podemos ver que, entre outubro de 2004 e março de 2006, o número índice médio de importação
desses produtos foi 71, ou seja, uma
queda de quase 30%. Mas, entre
abril e outubro, esse índice passou
para 140, um salto de 100%.
O mesmo cálculo para os chamados bens intermediários nos dá uma
média de 165 para o período outubro
de 2004 e março de 2006 -sempre
tomando o valor verificado em 1996
como 100- e de 200 nos últimos
quatro meses. Um crescimento de
mais de 20%. No setor de bens de capital, como máquinas e outros equipamentos industriais, o crescimento entre o número de outubro último e a média do período que estamos considerando para efeitos de
comparação foi de 40%. Embora
bem menores que o relativo aos
bens de consumo duráveis, ainda assim são números muito fortes.
Uma forma mais completa de medir os efeitos das importações no novo metabolismo econômico do Brasil é considerar a sua participação no
chamado consumo aparente de
bens pelo mercado interno, ou seja,
a soma de produção e importações,
subtraindo as exportações. Para
tanto, vamos tomar o período dezembro de 2005 e setembro deste
ano, sempre considerando as variações acumuladas nos 12 meses anteriores. Nesse período, o consumo
aparente e as importações de bens
de consumo duráveis cresceram 8%
e 74%, respectivamente. No caso
dos bens intermediários, o consumo
aparente cresceu 5%, e as importações, 11%. Novamente fica claro o
aumento da penetração das importações, resultado de decisões racionais de indivíduos e empresas que,
em número cada vez maior, percebem que a solidez das contas externas manterá a taxa de câmbio estável por um longo período.
Vejamos algumas das mudanças
mais importantes que esse fato novo
está provocando no Brasil. A primeira está ocorrendo no campo da inflação. O aumento da oferta interna de
bens finais e intermediários introduz um efeito de competição muito
forte, a partir da deflação de preços
industriais que vem ocorrendo no
mundo nos últimos anos. As empresas brasileiras perdem poder na fixação de seus preços em reais e passam a ter que acompanhar os ganhos de eficiência que ocorrem
atualmente em outros países.
Outro efeito importante da pressão das importações tem sido a redução dos salários nos setores industriais mais afetados. Isso ocorre
porque a concorrência das importações impõe os salários em dólares
como parâmetro de custos para as
empresas brasileiras. Com a valorização expressiva do real nos últimos
anos, aliada aos problemas domésticos de competitividade, não resta
outro caminho senão girar a mão-de-obra e contratar novos funcionários com salários mais baixos. Além
disso, os empregos nos setores industriais mais afetados estão crescendo bem menos do que a média da
indústria. No setor de petróleo e minerais, que representa apenas 3% do
total, o crescimento do emprego é
superior a 7% ao ano, enquanto nos
setores intensivos em mão-de-obra,
como têxtil, calçados, madeira e
couro, entre outros, que representam 43% do total, o crescimento no
emprego nos últimos 12 meses foi de
apenas 0,7%.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 63, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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