São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Ainda o novo metabolismo

Com o real forte, as empresas giram a mão-de-obra e contratam novos funcionários com salários mais baixos

A DIVULGAÇÃO dos dados abertos sobre o comércio exterior brasileiro até outubro permite-nos aprofundar o acompanhamento do que chamei de novo metabolismo da economia brasileira. Essa nova dinâmica está associada à passagem de uma economia de mercado aberta com escassez de dólares para uma com um excedente estrutural de moeda forte. Não se encontra em livros-texto uma análise sobre essas mudanças, o que tem impedido sua compreensão por muitos de nossos economistas. O pensar keynesiano -e não a teoria- há muito foi retirado da maioria dos currículos das grandes escolas de economia no Brasil.
Faço de início uma observação de natureza técnica: para retirar os movimentos ainda significativos dos preços em dólares de nossas importações, a equipe da Quest Investimentos trabalha com dados físicos. Além disso, dividimos nossas compras no exterior por grupos: bens de capital, intermediários, duráveis e semiduráveis. Isso precisa ser feito porque a influência das importações na determinação da oferta interna é bem diferente em cada uma dessas categorias.
Feitas essas observações, vejamos o que esses dados mais recentes mostram. O setor de bens duráveis é o que reflete, de maneira mais clara, o que vem acontecendo neste novo Brasil de dólares saindo pelo ladrão.
Tomando a quantidade de bens de consumo duráveis em 1996 como 100, podemos ver que, entre outubro de 2004 e março de 2006, o número índice médio de importação desses produtos foi 71, ou seja, uma queda de quase 30%. Mas, entre abril e outubro, esse índice passou para 140, um salto de 100%.
O mesmo cálculo para os chamados bens intermediários nos dá uma média de 165 para o período outubro de 2004 e março de 2006 -sempre tomando o valor verificado em 1996 como 100- e de 200 nos últimos quatro meses. Um crescimento de mais de 20%. No setor de bens de capital, como máquinas e outros equipamentos industriais, o crescimento entre o número de outubro último e a média do período que estamos considerando para efeitos de comparação foi de 40%. Embora bem menores que o relativo aos bens de consumo duráveis, ainda assim são números muito fortes.
Uma forma mais completa de medir os efeitos das importações no novo metabolismo econômico do Brasil é considerar a sua participação no chamado consumo aparente de bens pelo mercado interno, ou seja, a soma de produção e importações, subtraindo as exportações. Para tanto, vamos tomar o período dezembro de 2005 e setembro deste ano, sempre considerando as variações acumuladas nos 12 meses anteriores. Nesse período, o consumo aparente e as importações de bens de consumo duráveis cresceram 8% e 74%, respectivamente. No caso dos bens intermediários, o consumo aparente cresceu 5%, e as importações, 11%. Novamente fica claro o aumento da penetração das importações, resultado de decisões racionais de indivíduos e empresas que, em número cada vez maior, percebem que a solidez das contas externas manterá a taxa de câmbio estável por um longo período.
Vejamos algumas das mudanças mais importantes que esse fato novo está provocando no Brasil. A primeira está ocorrendo no campo da inflação. O aumento da oferta interna de bens finais e intermediários introduz um efeito de competição muito forte, a partir da deflação de preços industriais que vem ocorrendo no mundo nos últimos anos. As empresas brasileiras perdem poder na fixação de seus preços em reais e passam a ter que acompanhar os ganhos de eficiência que ocorrem atualmente em outros países.
Outro efeito importante da pressão das importações tem sido a redução dos salários nos setores industriais mais afetados. Isso ocorre porque a concorrência das importações impõe os salários em dólares como parâmetro de custos para as empresas brasileiras. Com a valorização expressiva do real nos últimos anos, aliada aos problemas domésticos de competitividade, não resta outro caminho senão girar a mão-de-obra e contratar novos funcionários com salários mais baixos. Além disso, os empregos nos setores industriais mais afetados estão crescendo bem menos do que a média da indústria. No setor de petróleo e minerais, que representa apenas 3% do total, o crescimento do emprego é superior a 7% ao ano, enquanto nos setores intensivos em mão-de-obra, como têxtil, calçados, madeira e couro, entre outros, que representam 43% do total, o crescimento no emprego nos últimos 12 meses foi de apenas 0,7%.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
lcmb2@terra.com.br


Texto Anterior: Pacote desonera empresa e subsidia moradia
Próximo Texto: Até R$ 15 bi do FGTS servirão para subsidiar casa popular
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.