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OPINIÃO ECONÔMICA
Meia-sola tributária com um furo novo
MAILSON DA NÓBREGA
A reforma tributária não saiu
neste final do ano, como haviam
prometido o governo e líderes
políticos, incluindo o presidente
da República.
Na realidade, a promessa era
pouco realista. Reforma tributária é assunto muito complexo,
principalmente em países federados como o nosso.
Há interesses conflitantes: a
questão da autonomia decisória
dos entes da Federação, perdas e
ganhos etc.
No caso brasileiro, por mais de
60 anos a tributação do consumo tem sido atribuição dos Estados. A reforma tributária se
destina precisamente a redesenhar a estrutura de tributação
do consumo, o que a transforma
em tema essencialmente político.
Desde o início, entretanto, o
governo federal tratou-a como
assunto preponderantemente
técnico. Pior, designou como interlocutor perante o Congresso
um funcionário de segundo escalão, que, apesar de seus inegáveis méritos profissionais, possuía notórias divergências pessoais com o relator da Comissão.
No Brasil, qualquer governo
deve saber que o relator de um
projeto legislativo não é alguém
que relata, mas um parlamentar
com poder e influência até mesmo para apresentar um texto
distinto das discussões realizadas no âmbito da Comissão.
No fundo, o xis da questão foi
a renúncia do governo federal à
liderança do processo de reforma tributária. Não há precedente de liderança do Poder Legislativo em uma reforma tributária
complexa como a nossa.
Essa omissão não se caracterizou pela falta de sugestões apresentadas à Comissão da Reforma Tributária da Câmara, justificativa adotada pelo governo
federal para rebater as críticas
que recebeu. A omissão foi de
outro tipo.
De fato, diante da complexidade da reforma, era imprescindível a liderança efetiva da
União. O processo andaria melhor se tivesse havido negociações de alto nível entre o presidente e os governadores para
construir consensos sobre pontos
básicos.
Essa liderança se impunha
mais ainda diante da existência
de distintas propostas para a reforma. O próprio governo federal possuía projetos diferentes
em dois de seus órgãos. O empresariado defendia publicamente
idéias incompatíveis entre si.
A Secretaria da Receita Federal queria o Imposto sobre o Valor Agregado, IVA, centralizado
na União, cuja arrecadação seria repartida com Estados e municípios. O relator propunha outro tipo de IVA, cuja base seria
compartilhada entre a União e
os Estados; cada um arrecadaria
a sua parte, mas o tributo formaria um todo homogêneo.
Os dois projetos são tecnicamente bons. Ambos acabariam
com a tributação em cascata e
reduziriam o número de tributos sobre o consumo.
O IVA da Receita se parecia
com o sistema tributário alemão
e não considerava as condições
históricas brasileiras.
O IVA do relator preservava
maior grau de autonomia nos
Estados, mas ganhou alguns
penduricalhos no processo de
negociação, que reduziram sua
qualidade.
Aumentava a acumulação de
crédito, um problema que, todavia, poderia ser amenizado.
Na Comissão, prevaleceu o
projeto do relator. Derrotado, o
governo teve uma reação violenta. Foi gerado um impasse que
se procurou resolver através da
Comissão Tripartite, integrada
por representantes da União,
dos Estados e do Congresso.
No âmbito dessa comissão, a
União e os Estados optaram por
um terceiro projeto. As coisas
permaneceriam mais ou menos
como estão. Seriam introduzidos aperfeiçoamentos para reduzir os principais defeitos do
atual sistema.
Nos Estados, nasceria um
ICMS melhorado. As alíquotas e
outros aspectos do tributo seriam uniformes no território nacional. Desapareceria o caos
atual. Seria um grande progresso.
Na União, seriam mantidos os
atuais tributos, com algumas
modificações. O IPI se estenderia
aos serviços. As contribuições
em cascata, Pis e Cofins, poderiam virar incidências sobre o
valor agregado, exceto no mercado financeiro. A famigerada
CPMF seria perpetuada.
Salvo quanto à tributação dos
juros, as mudanças desonerariam impostos nas exportações e
eliminariam vantagens tributárias dos produtos importados.
Aumentariam a eficiência da
economia.
No mercado financeiro, a situação pioraria. Seria mantida
a cunha fiscal e se perpetuaria a
CPMF, o que poderia ser um desastre, principalmente para o
mercado de capitais. A baixa de
juros prometida pelo Banco
Central ficaria para um distante
futuro.
Se aprovada nesses termos, a
reforma seria uma meia-sola.
Melhoraria o uso do sapato, mas
o governo faria deliberadamente um novo furo na CPMF permanente, que geraria seu desgaste mais rápido.
Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da
Fazenda (governo José Sarney), sócio da
Tendências Consultoria Integrada, escreve
às sextas-feiras nesta coluna. E-mail: mailson@palavra.inf.br
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