São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2006

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Suíça investiga doleiros no caso Parmalat

Procuradoria do país suspeita de que tenham remetido ilegalmente recursos, contribuindo para a quebra da empresa no Brasil

Investigação já solicitou ao governo dos EUA quebra do sigilo de uma série de contas supostamente abertas em Nova York por doleiros

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Procuradoria Geral de Justiça da Suíça decidiu investigar doleiros brasileiros sob a suspeita de que eles ajudaram a retirar recursos que acabaram por quebrar a Parmalat no Brasil. Os suíços suspeitam de que dois bancos daquele país serviram para lavar dinheiro desviado da filial brasileira da Parmalat italiana.
Os recursos ilegais da Parmalat que passaram pelos bancos suíços podem chegar a 1 bilhão (cerca de R$ 2,8 bilhões), segundo estimativa feita pela procuradoria. Não dá para saber, no estágio atual da investigação, qual foi o percentual desse valor que saiu da filial brasileira da Parmalat.
A Parmalat que opera hoje no Brasil não tem nada a ver com a empresa italiana. Está em processo de recuperação judicial e paga royalties para usar a marca.
O primeiro passo da investigação suíça foi solicitar ao governo dos Estados Unidos a quebra do sigilo de uma série de contas supostamente abertas em Nova York por doleiros brasileiros.
A procuradoria quer conhecer todas as remessas feitas pelas "offshores" Gatex, Harber, Venus e Sorage para três bancos nos EUA -Merchants Bank, MTB Bank e European American Bank. "Offshores" são empresas abertas em paraísos fiscais com o objetivo de facilitar transações internacionais e, ao mesmo tempo, dificultar a investigação para saber quem é o dono da empresa.
A Gatex, a Harber, a Venus e a Sorage foram criadas pelo empresário Antonio Pires de Almeida, preso em fevereiro do ano passado sob acusação de ter feito remessas ilegais para os EUA que somam US$ 1,8 bilhão, entre 1995 e 2002 -o equivalente a R$ 3,9 bilhões em valores atuais.
Pires de Almeida continua preso -está em prisão domiciliar porque tem 82 anos. Se é verdadeira a suspeita de que a Parmalat usou o empresário para fazer remessas, a multinacional italiana usou um doleiro que trabalhava para traficantes de drogas. A primeira acusação contra Pires de Almeida partiu do DEA (a agência contra drogas dos EUA) e do DHS (Department of Home Security, que cuida da segurança interna naquele país). Numa investigação feita em 1999, o DEA apontou que ele lavava dinheiro para traficantes -o que Pires de Almeida nega.
Os suíços solicitam aos EUA informações sobre Maria Carolina Nolasco, uma portuguesa naturalizada americana que confessou administrar cerca de 230 contas de doleiros no Merchants Bank.

Esquema triangular
A procuradoria suíça tem indicações de que a lavagem de dinheiro desviado da Parmalat seguia um esquema triangular. O dinheiro saía do Brasil por meio de doleiros, ia para contas nos EUA e de lá era enviado para a Suíça e a Itália.
De acordo com a procuradoria, dois brasileiros e um italiano residente no Brasil teriam aberto contas em bancos europeus para receber o dinheiro desviado. Ainda segundo os suíços, os dois brasileiros são suspeitos de serem laranjas de um consultor italiano, Luca Sala, que prestou assessoria para a Parmalat italiana e trabalhou numa agência do Bank of America de Milão que teria lavado dinheiro desviado. O banco afirma na ação judicial em curso na Itália que não cometeu irregularidade.
O curioso é que os supostos laranjas não seguem o figurino clássico do laranja: não são pobres, serviçais nem favelados. Um deles, Arthur Cleber Telini, é médico ortopedista em Campinas (SP) e fez mestrado na Santa Casa de São Paulo. O outro, Melford Vaughn Neto, trabalha como advogado tributarista e dá aulas de direito numa faculdade de Americana -o Isca (Instituto Superior de Ciências Aplicadas).
Telini e Vaughn Neto são acusados de terem aberto contas num banco suíço, o Graubündner Kantonalbank, na cidade de Chur, para lavar recursos da Parmalat.
Ambos negam as duas suspeitas levantadas pelos suíços e pelos italianos -a de que tenham servido de laranja e que tenham feito remessas ilegais.
O italiano radicado no Brasil é o executivo Andrea Sala, que prestou assessoria tributária para a Parmalat no Brasil e é irmão de Luca Sala, ex-diretor do Bank of America em Milão, acusado de ter ajudado a criar o esquema de lavagem.
Andrea é acusado pelos procuradores de ter aberto uma conta no Banco de Lugano, na cidade homônima da Suíça, também com propósitos de lavar dinheiro.
É a primeira vez que a Suíça investiga doleiros brasileiros. A regra nesse país era considerar doleiros como uma espécie de mal menor para quem não quer pagar impostos -na Suíça, sonegação fiscal em outro país não é crime e, por isso, eles recebiam de bom grado os recursos dos sonegadores.
Esse cenário mudou completamente após os ataques terroristas aos Estados Unidos de 11 de setembro de 2001 -todo dinheiro ilegal passou a ser olhado com lupa.
O doleiro Pires de Almeida também está sob investigação nos EUA. A promotoria de Manhattan o acusa de operar como banco sem ter a devida autorização. Uma das agências do Bank of America que recebeu recursos de doleiros brasileiros fez um acordo com os promotores e pagou uma multa de US$ 6 milhões para encerrar as investigações.


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