|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUCIANO COUTINHO
A trava que ficou
O Brasil precisa de uma
meta ambiciosa: chegar ao déficit nominal zero e à taxa real de juros de 5% até 2009
|
NOS ÚLTIMOS anos a economia
brasileira libertou-se da terrível vulnerabilidade externa herdada do governo Fernando Henrique Cardoso. Fecharemos
2006 com reservas de quase US$ 84
bilhões. Mas, a outra herança horrível -a saber, a alta vulnerabilidade
financeira do Estado, que nos amarra à taxa real de juros mais alta do
planeta há 11 anos consecutivos-
ainda está para ser superada.
Desde meados dos anos 80, para
evitar a hiperinflação violenta com
fuga frenética para o dólar, o Tesouro e o Banco Central foram oferecendo ao mercado financeiro títulos
públicos com remuneração diária e
liquidez garantidas. Para implantar
e assegurar firmeza ao real, a equipe
de FHC magnificou esse circuito
privilegiado aumentando violentamente a taxa real de juros (22% ao
ano, reais, em média entre 94 e 98).
Instalou-se uma monstruosa anomalia para induzir o mercado a reter
riqueza em reais. Depois, a partir de
99, com o abandono da âncora cambial e com a adoção de uma política
fiscal menos irresponsável, foi possível reduzir o patamar real de remuneração do circuito da dívida pública para salgados 12% ao ano, em
média. No período que compreendeu o último trimestre de 2002 e o
primeiro de 2003, a fragilidade financeira do Tesouro atingiu o ápice.
A dívida pública encurtou muito e tinha péssima qualidade (quase 40%
dos títulos com cláusula cambial,
mais de 50% remunerados diariamente pela Selic, com virtual desaparição dos papéis prefixados). Entre 2003 e 2006, o Tesouro e o BC
removeram a dívida dolarizada, reduziram moderadamente a dívida
com remuneração diária (LFTs) e
buscaram aumentar a participação
dos papéis prefixados ou pós-fixados de longo prazo (com correção
por índices de preços).
Mas a subida da taxa Selic de 2004
para 2005 atrapalhou o percurso e o
progresso foi limitado. O perfil curto
da dívida significa que uma parcela
muito grande dela vence ao longo do
ano em curso e se acresce à necessidade de financiar o déficit corrente
das contas fiscais -neste ano, de 3%
do PIB (Produto Interno Bruto).
Em 2006, a necessidade total de
financiamento do Estado (rolagem
do estoque mais emissão de dívida
nova) representou 51% do PIB. Por
isso, o Tesouro e o Banco Central
são reféns do mercado e não têm autonomia para reduzir arbitrariamente a Selic sem efeitos desestabilizadores. Esse circuito de papéis
públicos curtos e com alta remuneração dificulta a intermediação financeira de longo prazo e torna a
política monetária pouco eficaz.
Para superar o obstáculo só há um
caminho: o Estado brasileiro precisa
fazer um esforço firme e persistente
de fortalecimento fiscal (via controles, gestão e reformas) que lhe permita acelerar a queda da taxa de juros (efeitos que se retroalimentam,
pois a queda dos juros reduz o déficit
nominal).
A meta deveria ser ambiciosa:
chegar ao déficit nominal zero e à taxa real de juros de 5% até meados de
2009. Essa trajetória, implementada com credibilidade, viabilizará a
melhoria da qualidade da dívida pública e abrirá espaço para a rápida
expansão do crédito e do mercado
de capitais. É esse o destravamento
mais difícil para chegar ao crescimento acelerado da economia.
LUCIANO COUTINHO , 60, é consultor e professor
convidado do IE/Unicamp.
Texto Anterior: Serviços sobem com mínimo e renda maiores Próximo Texto: Lucro de empresas abertas mais que triplica na era Lula Índice
|