São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2006

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LUCIANO COUTINHO

A trava que ficou


O Brasil precisa de uma meta ambiciosa: chegar ao déficit nominal zero e à taxa real de juros de 5% até 2009

NOS ÚLTIMOS anos a economia brasileira libertou-se da terrível vulnerabilidade externa herdada do governo Fernando Henrique Cardoso. Fecharemos 2006 com reservas de quase US$ 84 bilhões. Mas, a outra herança horrível -a saber, a alta vulnerabilidade financeira do Estado, que nos amarra à taxa real de juros mais alta do planeta há 11 anos consecutivos- ainda está para ser superada.
Desde meados dos anos 80, para evitar a hiperinflação violenta com fuga frenética para o dólar, o Tesouro e o Banco Central foram oferecendo ao mercado financeiro títulos públicos com remuneração diária e liquidez garantidas. Para implantar e assegurar firmeza ao real, a equipe de FHC magnificou esse circuito privilegiado aumentando violentamente a taxa real de juros (22% ao ano, reais, em média entre 94 e 98).
Instalou-se uma monstruosa anomalia para induzir o mercado a reter riqueza em reais. Depois, a partir de 99, com o abandono da âncora cambial e com a adoção de uma política fiscal menos irresponsável, foi possível reduzir o patamar real de remuneração do circuito da dívida pública para salgados 12% ao ano, em média. No período que compreendeu o último trimestre de 2002 e o primeiro de 2003, a fragilidade financeira do Tesouro atingiu o ápice.
A dívida pública encurtou muito e tinha péssima qualidade (quase 40% dos títulos com cláusula cambial, mais de 50% remunerados diariamente pela Selic, com virtual desaparição dos papéis prefixados). Entre 2003 e 2006, o Tesouro e o BC removeram a dívida dolarizada, reduziram moderadamente a dívida com remuneração diária (LFTs) e buscaram aumentar a participação dos papéis prefixados ou pós-fixados de longo prazo (com correção por índices de preços).
Mas a subida da taxa Selic de 2004 para 2005 atrapalhou o percurso e o progresso foi limitado. O perfil curto da dívida significa que uma parcela muito grande dela vence ao longo do ano em curso e se acresce à necessidade de financiar o déficit corrente das contas fiscais -neste ano, de 3% do PIB (Produto Interno Bruto).
Em 2006, a necessidade total de financiamento do Estado (rolagem do estoque mais emissão de dívida nova) representou 51% do PIB. Por isso, o Tesouro e o Banco Central são reféns do mercado e não têm autonomia para reduzir arbitrariamente a Selic sem efeitos desestabilizadores. Esse circuito de papéis públicos curtos e com alta remuneração dificulta a intermediação financeira de longo prazo e torna a política monetária pouco eficaz.
Para superar o obstáculo só há um caminho: o Estado brasileiro precisa fazer um esforço firme e persistente de fortalecimento fiscal (via controles, gestão e reformas) que lhe permita acelerar a queda da taxa de juros (efeitos que se retroalimentam, pois a queda dos juros reduz o déficit nominal).
A meta deveria ser ambiciosa: chegar ao déficit nominal zero e à taxa real de juros de 5% até meados de 2009. Essa trajetória, implementada com credibilidade, viabilizará a melhoria da qualidade da dívida pública e abrirá espaço para a rápida expansão do crédito e do mercado de capitais. É esse o destravamento mais difícil para chegar ao crescimento acelerado da economia.


LUCIANO COUTINHO , 60, é consultor e professor convidado do IE/Unicamp.


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