São Paulo, quinta, 24 de dezembro de 1998

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LUÍS NASSIF
Lafer e o teste de Arapongas

Antes de indicar Celso Lafer para ministro do Desenvolvimento, FHC deveria tê-lo submetido ao "teste de Arapongas" -duas horas de palestra aos empresários do setor moveleiro da cidade, considerada a capital nacional dos móveis. Um iria sair da reunião achando que o outro é um ET -tão distantes são os universos de ambos.
No entanto, esse é o público sobre o qual teoricamente Lafer deverá atuar nos próximos anos, na condição de ministro da Produção.
Na verdade, sua indicação obedece à secular atração brasileira por intelectuais para o desempenho de funções públicas. Não se aprendeu nada com as últimas décadas. Função de intelectual é ser assessor, membro de conselhos de notáveis e por aí afora, não um executivo de quem se cobram resultados.
Celso Lafer é intelectual respeitado, estudioso do período JK, especialista em comércio internacional, como membro brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas está longe do perfil operacional que o cargo exige.
O primeiro problema da escolha, aliás, é a própria formação intelectual do novo ministro. Existe a percepção de que os modernos processos de desenvolvimento devem se fundar na organização das pequenas e microempresas em nível regional, trabalhando de maneira articulada com prefeituras, associações de classe, institutos de pesquisa, universidades e Sebraes regionais.
Há boas iniciativas sendo conduzidas em várias regiões, existem experiências internacionais relevantes, como é o caso da Itália, e há pouca literatura sistematizando o tema. Não consta que, nas últimas décadas, esse processo tenha merecido a atenção do intelectual Celso Lafer. Ele conhece -como historiador, não como quem botou a mão na massa- a maneira como JK articulou a burguesia industrial brasileira nos anos 50. O desafio de hoje é articular a base das pequenas e microempresas e as cadeias produtivas.
A revolução das câmaras setoriais, no início dos anos 90, foi conduzida por engenheiros especializados em produção, não por historiadores da economia.
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Pique operacional O segundo problema é a própria falta de pique operacional de Lafer. O ministério deveria ser atuante no dia-a-dia da economia, entrando de corpo inteiro nas grandes batalhas que se travam mundialmente em torno das exportações, articulando temas como sistemas de financiamento, barreiras não-tarifárias e acordos bilaterais para cada grande pendência comercial. Definitivamente não é o perfil de Lafer, homem mais afeito ao trabalho intelectual.
Espírito essencialmente prático, sempre que um intelectual o procurava com propostas de política industrial, o ex-presidente Fernando Collor pedia que transformassem as idéias em portarias e decretos. Quem não conseguisse não entrava.
O terceiro problema é que o novo ministro deveria ser um propagandista diuturno do desenvolvimento, alguém que conseguisse entender a psicologia do pequeno empresário brasileiro e sensibilizá-lo para uma meta -algo que JK fez com grande maestria. Lafer é dotado da sofisticação das grandes metrópoles e da falta de emoção que caracteriza os grandes diplomatas -não os grandes políticos.
Em suas conversas prévias sobre o ministério, FHC elogiou diversas vezes o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, por "fazer acontecer" -isto é, preocupar-se menos com conceitos e mais com resultados. Se é esse o perfil indicado, por que nomear um intelectual para um cargo que exige um executivo?
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E-mail: lnassif@uol.com.br



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