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OPINIÃO ECONÔMICA
A segunda onda liberal sobre o trabalho no Brasil
MARCIO POCHMANN
A Revolução de 30 criou uma
das instituições mais estáveis
no Brasil: o sistema corporativo
de relações de trabalho. Essa estabilidade se mostrou funcional
ao projeto de industrialização
nacional, influenciando positivamente o movimento de estruturação do mercado de trabalho, que tinha na ampla expansão do emprego assalariado formal a sua principal característica. A cada dez novas vagas de
trabalho abertas entre 1940 e
1980, oito eram assalariadas,
sendo sete com registro formal.
Mas a duradoura evolução
das relações capital-trabalho
não deixou de ocorrer sem tentativas conservadoras de rompimento, como no caso da primeira onda de liberalização sobre o trabalho, posta em marcha durante o regime militar.
Tão logo os sindicatos foram
controlados e esvaziados pela
repressão, processou-se: 1) o fim
da participação dos trabalhadores na gestão de instituições
previdenciárias e nas comissões
de salário mínimo; 2) a flexibilização dos contratos individuais de trabalho, pelo Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço (flexibilidade para demitir e
admitir; 3) o controle dos salários, com a generalização da
política salarial; 4) a retirada
do poder normativo da Justiça
do Trabalho; 5) o esvaziamento
do Ministério do Trabalho.
A liberalização no uso do trabalho não significou avanços
para os empregados, porém foi
favorável ao ajuste dos empregos e dos salários pelas empresas -tanto durante os períodos
de baixo crescimento econômico, como na segunda metade
dos anos 60 e no início dos anos
80, quanto nas fases de altas
taxas de crescimento econômico, como na primeira metade
da década de 70.
Com a rotatividade da
mão-de-obra, difundiu-se no
país o uso generalizado de contratos de curta duração e ampla
instabilidade, com falta de
compromissos nas relações de
trabalho, sendo que cerca de
dois terços dos trabalhadores
com carteira assinada tinham
contratos inferiores a três anos
na mesma empresa.
Apesar do movimento contrário à desregulamentação do
mercado de trabalho, motivado
pelo processo de redemocratização do país durante os anos 80,
assiste-se, nos anos 90, à conformação de uma segunda onda
liberal sobre o trabalho.
A recente instituição do contrato por prazo determinado
constitui um elemento adicional ao atual programa do governo federal, de reformas em
migalhas no marco regulatório
do mercado de trabalho.
Além dos projetos parciais já
existentes, podem ser contabilizadas sete medidas importantes
que, de forma anestésica, modificam o curso da legislação trabalhista: 1) o fim da política de
indexação salarial; 2) a abertura do comércio aos domingos;
3) a instituição da figura do
mediador nas negociações coletivas; 4) a desregulação dos
contratos por meio das cooperativas de trabalho; 5) a redução de parte dos encargos sociais para trabalhadores rurais;
6) a introdução do regime Simples para contratação de trabalhadores para as microempresas; 7) a maior flexibilização
dos empregos, por meio dos
contratos por prazo determinado.
Essa onda de liberalização do
trabalho tende a atender mais
às necessidades das empresas,
que operam num cenário desfavorável à competição internacional, com taxas de juros elevadas, câmbio valorizado e
abertura comercial sem critérios.
Para os trabalhadores, entretanto, não parece ser favorável,
mais uma vez. As medidas liberais não interrompem o movimento em curso de desestruturação do mercado de trabalho,
movido pelo maior desemprego
(o dobro, em relação ao final
dos anos 80), pela redução de
empregos assalariados sobre o
total da ocupação (desassalariamento) e pela geração de
postos de trabalho precários e
de baixa produtividade.
Como para cada dez novas
ocupações criadas somente
duas são assalariadas e, ainda,
sem registro formal, ocorre um
enfraquecimento sindical,
acompanhado de: redução dos
conflitos coletivos e aumento
dos conflitos individuais de trabalho (processos na Justiça do
Trabalho); crescimento da
quantidade de sindicatos; descentralização das negociações e
diminuição das cláusulas acordadas; maior risco de descolamento dos dirigentes sindicais
da base de trabalhadores.
Por se restringir apenas aos
parâmetros de funcionamento
do mercado de trabalho, o governo federal coloca em prática,
de um lado, o seu programa de
empregabilidade, que tende a
transferir para o desempregado
a responsabilidade pela geração
de sua própria ocupação.
De outro lado, trata de tornar
mais atrativo para o empregador o uso da mão-de-obra, por
meio de possibilidades adicionais de redução e flexibilização
dos custos de sua contratação
(corte de direitos e encargos sociais).
Todo esse esforço rumo à
maior liberalização do mercado
de trabalho não tem resultado
na ampliação das oportunidades de inclusão da força de trabalho no núcleo moderno da
economia. Pelo contrário, tem
consolidado, cada vez mais, o
falso dilema de desemprego ou
estratégias precárias de ocupações de sobrevivência. Haverá
limites?
Marcio Pochmann, 35, economista, é professor do Instituto de Economia, pesquisador e
diretor-adjunto do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
E-mail: pochmann@eco.unicamp.br
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