São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 1998.



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DIAGNÓSTICO & RECEITA
Usura heterodoxa

OSIRIS LOPES FILHO
Uma característica do governo FHC, na edição do seu pacote de maldades, foi a de jogar o ônus dos equívocos da política econômica no povão e na classe média.
A verdade é que se procurou, na discussão da medida provisória nº 1.602/97, que resultou na lei nº 9.532, de 10/12/97, aliviar as pessoas físicas do pesado encargo atribuído pelo governo federal. Graças à argúcia do deputado Mussa Demis, ficou explícita a opção governamental em beneficiar no IR a empresa altamente capitalizada.
Postulou o deputado que fossem revogados o artigo 9º da lei nº 9.249, de 26/12/95, e o artigo 78 da lei nº 9.430, de 27/12/96, que permitem às pessoas jurídicas deduzirem como despesa operacional, no IR e na contribuição social, os juros pagos ou creditados aos seus sócios, calculados sobre o patrimônio líquido das empresas. A revogação propiciaria renunciar-se à elevação do IR da pessoa física. A emenda foi rejeitada.
A manutenção dessa liberalidade é indecente, quando se examina a redução dos incentivos regionais da Amazônia, do Nordeste, da Zona Franca de Manaus, do Espírito Santo e se limitam drasticamente os benefícios do vale-transporte e do Programa de Alimentação do Trabalhador.
É uma inovação heterodoxa, no funcionamento das empresas, remunerar seus sócios com juros e não com lucros. Trata-se de incentivo tributário à usura. A remuneração natural dos sócios das empresas decorre da sua capacidade de gerar lucros. E não juros artificiais induzidos e bancados pelo governo.
Há sérias indagações acerca de moralidade do patrocínio desse incentivo. Beneficia apenas as empresas lucrativas e capitalizadas. A esmagadora maioria das nossas empresas não têm como se utilizar dessa dedução, descapitalizadas e no prejuízo.
Mas para as instituições financeiras é uma festa. A sua alíquota inicial do IR é de 15%; nos lucros acima de R$ 240 mil há um adicional de 10%; e mais 18% da contribuição social sobre o lucro líquido. Sua alíquota global é de 43%. Como dedução do IR e da contribuição social, os juros escapam dessa incidência. E no seu pagamento ou crédito aos sócios sofrem uma incidência de apenas 15%.
Daí o Bradesco ter feito em dezembro uma megadistribuição de resultados de R$ 350 milhões, sob a forma de juros sobre o capital próprio e não de dividendos. Dá para entender a quem o governo privilegia e a quem ele apena no IR.


Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, professor de direito tributário na Universidade de Brasília - UnB.



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