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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A retomada do projeto nacional
LUCIANO COUTINHO
A recomposição em 2003
de condições mínimas de
controle macroeconômico (inflação debelada, endividamento público estabilizado, obtenção de
um grande superávit comercial
que equilibrou as contas externas) devolveu ao país as bases para sonhar com uma trajetória autônoma e sustentável de crescimento. Mas obtê-la não será tarefa fácil, pois, infelizmente, o período 1994-2002 nos legou dois
imensos passivos (externo e interno) em condições lastimáveis (juros elevadíssimos, prazos curtos,
dolarização expressiva da dívida
interna).
O grande desafio e simultaneamente a condição chave para garantir sustentabilidade ao crescimento econômico radica na repetição nos próximos anos de um
superávit comercial externo que
se situe em torno de US$ 25 bilhões/ano sem perder o controle
da inflação e do endividamento
público. A obtenção, persistente,
de um superávit externo desse
porte nos permitirá liquidar o
empréstimo com o FMI e acumular reservas próprias de divisas
em uma escala suficiente (no mínimo US$ 30 bilhões adicionais
nos próximos três anos) para
criar robustez ante crises externas, assegurando autonomia para crescer com taxas reais de juros
muito mais baixas.
Nesses últimos meses, condições
internacionais ultrafavoráveis,
tanto financeiras quanto comerciais, já permitiram alcançar um
superávit comercial na escala desejada. A melhoria de preços das
commodities, a notável aceleração das nossas exportações para
China, Argentina e outros novos
mercados, a apreciação do euro
-tudo isso ajudou a inflar as
nossas exportações a despeito do
fato de que o Banco Central permitiu uma significativa apreciação da taxa de câmbio ante o dólar. De outro lado, a superliquidez mundial decorrente da frouxíssima política monetária dos
EUA (juros reais ligeiramente negativos desde meados de 2002),
junto com a credibilidade reconquistada pela austera gestão fiscal do governo Lula, nos propiciou acesso a novos créditos externos, notável valorização dos títulos brasileiros de dívida pública e
privada e extraordinária queda
da taxa de risco-país.
Não é sensato, obviamente,
pressupor e depender da continuidade dessas condições externas ultrafavoráveis. Por isso,
além de aproveitar o bom momento para acumular reservas,
há que trabalhar com afinco para
assegurar a sustentação do superávit comercial nos próximos
anos e assim lograr a superação
da vulnerabilidade externa. Três
condições precisarão ser preenchidas para obter esse feito: 1) implementação de uma eficaz política industrial e de comércio exterior, capaz de induzir e de financiar investimentos na criação de
nova capacidade exportadora e
na substituição eficiente de importações; 2) desdobramento de
uma política agressiva de promoção comercial e de abertura de
novos mercados; 3) e, por último
mas não menos importante, a
manutenção de uma taxa de
câmbio persistentemente estimulante ao esforço exportador, requisito imprescindível após o reaquecimento do mercado interno.
A consolidação de uma posição
externa robusta, junto com o controle da relação dívida/PIB, permitirá ao Tesouro obter uma melhora substancial do perfil temporal, dos custos e da qualidade das
dívidas interna e externa. O
avanço nessa direção abrirá espaço para aspirar ao status de "investment grade" e para reduzir a
taxa real de juros abaixo de 6%
ao ano ainda no mandato do presidente Lula!
Decerto que a consecução desses
objetivos ambiciosos requer, ainda, que sejam logo deslanchados
investimentos infra-estruturais
(notadamente em energia e logística) para evitar gargalos ao crescimento. A regulamentação do
novo modelo para o setor elétrico,
a viabilização das PPP e de outras
iniciativas de parceria -de forma atraente ao setor privado-
são, por isso, matérias urgentes e
relevantes.
O governo Lula reuniu ao seu
redor um amplo arco de forças sociais e políticas que almejam a retomada do desenvolvimento em
condições de autonomia. Lançados os fundamentos mínimos para sustentar o crescimento econômico, é possível recolocar em pauta um projeto nacional de desenvolvimento. Do ponto de vista social, um projeto nacional requer a
concretização de investimentos
de grande escala em saneamento,
habitação, transportes coletivos,
reforma agrária, educação, cultura, saúde e ambiente. Novos paradigmas de política social deveriam ser concebidos e experimentados e um significativo ganho de
eficácia no uso dos recursos públicos permanece como um desafio a
vencer. Do ângulo econômico, um
novo projeto nacional de desenvolvimento precisará estar ajustado aos desafios da concorrência
global e não poderá prescindir de
grupos econômicos nacionais eficientes, capazes de inovar tecnologicamente em direção a novos
processos e produtos competitivos. O sonho de um projeto nacional de desenvolvimento já pode
ser reconstruído -mas não é tarefa só do governo. Antes, da sociedade, dos partidos, da intelligentsia.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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