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LUÍS NASSIF
Adoniran de São Paulo
Quem é o compositor mais representativo de São Paulo?
Na coluna passada, falei da música de minha predileção, de Bezerra de Menezes. Pelo conjunto da
obra, na música urbana de São
Paulo há Paraguaçu, Paulo Vanzolini; na música caipira Raul
Torres, Cornélio Pires, Capitão
Furtado; na instrumental Garoto,
Canhoto. Na música contemporânea, tantos bons compositores
que surgiram pós anos 60.
Mas nenhum compositor é mais
São Paulo do que Adoniran Barbosa, o típico ítalo-paulistano, de
sotaque carregado, o malandro lírico, como foram, em outras épocas, os herdeiros de Carlitos, Mazzaropi e Cantinflas.
Até me espanto em conferir que
ele nasceu em 1910 e venceu um
concurso da Prefeitura de São
Paulo de marchinhas carnavalescas em 1935. Porque, para a minha geração, Adoniran apareceu
apenas em meados dos anos 60,
quando venceu concurso carnavalesco em plena capital do Carnaval, Rio de Janeiro, com o clássico "Trem das Onze", interpretado pelos Demônios da Garoa. E
não era um mero concurso, mas o
do quarto centenário do Rio de
Janeiro.
Foi uma explosão nacional,
cantada de norte a sul. Naquela
época, recém-libertados da bossa
nova, começamos a incorporar
Adoniran em nosso repertório.
Mas Adoniran já era compositor
completo. Sua maior composição
(em minha opinião), "Saudosa
Maloca" -um hino às mudanças
urbanísticas da cidade, o canto
dos deserdados, o lirismo da sarjeta-, tinha sido composta em
1955. O "Samba do Arnesto" ("O
Arnesto nos convidou / prum
samba, ele mora no Brás") é mais
antigo ainda, de 1951. O "Abrigo
de Vagabundos" ("Eu arranjei o
meu dinheiro / Trabalhando o
ano inteiro / Numa cerâmica / Fabricando potes") é de 1958.
Junto com Oswaldo Molles
-compositor a ser redescoberto-, Adoniran passou pelo rádio, criando tipos caricatos, tipicamente paulistas. Em parceria,
ambos compuseram "O Casamento do Moacir", uma das músicas prediletas de nossas rodadas
musicais.
Sua sensibilidade musical não
se restringia aos "sambas paulistas". Sua parceria com Vinícius
de Morais, "Bom Dia Tristeza",
gravada em 1957 por Aracy de Almeida, é um clássico do samba-canção.
Quando cheguei a São Paulo,
nos anos 70, Adoniran era um
boêmio requisitadíssimo, sempre
com seu chapéu amassado e cigarro amarrotado na boca. De
vez em quando aparecia no Bar
do Alemão, com seu humor de
italiano, seco e gozador. Tinha
seus botecos de estimação, trabalhava na Record, se não me engano, e seu repertório era o mais tocado em qualquer ambiente musical, de casas de show a churrascarias. Apenas o repertório de
Ataulfo Alves rivalizava com o
dele.
Além de suas músicas, seus
"causos" boêmios eram de rolar
de rir. Nos anos 70 a Folha criou o
"Folhetim", um encarte semanal
bastante irreverente, na linha do
"Pasquim". Em uma das edições,
o editor publicou reportagem
emocionada. Tinha encontrado
Adoniran em um boteco, pra lá
de mamado, conversaram, o
compositor gostou do papo e prometeu, ali mesmo, compor uma
música inédita para os leitores do
"Folhetim". Na frente do fã, rascunhou a letra. Mereceu capa do
"Folhetim", o fac-símile da letra,
escrita à mão, e sua foto, com seu
chapéu e gravata-borboleta. Só
depois de publicado é que o editor
se tocou que fora vítima do humor de Adoniran. A letra era de
uma música composta muitos e
muitos anos antes.
Morreu pouco depois, em 1982.
Antes de morrer, ainda compôs
uma música belíssima com Carlinhos Vergueiro, o "Torresmo à
Milanesa".
No seu enterro, um coral de 500
vozes cantou "Saudosa Maloca",
saudando o reencontro de Adoniran com o Mato Grosso e o Joca.
"Os home tá com a razão / Nois
arranja outro lugá / Só se conformemos quando o Joca falou /
Deus dá o frio conforme o cobertô
/ E hoje nois pega a paia nas gramas do jardim / E pra esquecê
nois cantemos assim / Saudosa
maloca, maloca querida / dim
dim donde nóis passemo dias feliz
da nossa vida."
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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