São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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Em perplexidade, Davos antecipa G20

Encontro, a partir de 4ª, será espécie de antecipação de cúpula marcada para abril encarregada de moldar o mundo pós-crise

Evento será a 1ª oportunidade para governo Obama apontar caminhos para a reforma do sistema financeiro; Brasil fica sub-representado

Phillipe Desmazes-22.jan.09/France Presse
Desempregados fazem fila em agência de recolocação em Madri

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS

A elite mundial que se reúne todo janeiro na cidadezinha suíça de Davos foi colocada, neste ano, ante uma missão impossível: moldar o mundo pós-crise, título oficial do encontro anual 2009 do Fórum Econômico Mundial.
Impossível porque o mundo não demonstra a mais remota ideia do molde que tem a crise propriamente dita -ou seja, quanto vai durar, quão profunda será. Moldar o pós-crise, portanto, é devaneio puro.
De todo modo, o encontro que começa na quarta-feira acabará sendo uma espécie de antecipação da segunda cúpula do G20 (as 20 mais significativas economias do mundo), marcada para 2 de abril em Londres -esta sim, encarregada teoricamente de moldar o mundo pós-crise, por meio de uma reforma financeira global.
A Davos irão neste ano quatro governantes do G8 (o britânico Gordon Brown, a alemã Angela Merkel, o japonês Taro Aso e o russo Vladimir Putin, que é primeiro-ministro, mas manda mais que o presidente Dmitri Medvedev).
Irão também o premiê chinês, Wen Jia Bao, e o presidente mexicano Felipe Calderón, dois dos principais emergentes que fazem parte do G20.
Além disso, Davos será a primeira oportunidade para que a recém-empossada administração Obama aponte caminhos para a reforma da arquitetura financeira. A primeira cúpula do G20 foi ainda na gestão Bush, mas, agora, Davos recebe Lawrence Summers, novo presidente do Conselho Econômico Nacional norte-americano e uma das duas personalidades responsáveis, há dez anos, pela ideia de criação do G20 (a outra foi o canadense Paul Martin).
O Brasil é que estará sub-representado. Suas mais altas autoridades serão o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles (antigo frequentador de Davos, antes e depois de se tornar banqueiro central) e o chanceler Celso Amorim. Mas, em questões relativas ao G20, quem comanda é a Fazenda, que não terá representante.
De qualquer forma, o presidente do Fórum Econômico Mundial, o suíço Klaus Schwab, cuida de avisar que Davos "não é um órgão de decisões, mas um ponto de encontro de responsáveis políticos, membros da sociedade civil e empresários", aliás de longe a maior clientela dos encontros anuais.
Davos sempre foi um ponto de encontro, mas o deste ano desperta um interesse fora do comum, a ponto de a CNN ter destacado até sua repórter-estrela, Christiane Amanpour, para conduzir dos Alpes suíços, em colaboração com o YouTube, um painel sobre os desafios de Barack Obama. A Reuters, por sua vez, escalou uma equipe multimídia de 30 repórteres, fotógrafos, colunistas e cameramen.
O interesse pelo encontro de Davos decorre de uma tremenda perplexidade em lideranças políticas, empresariais e acadêmicas sobre o que vai acontecer com a economia.
Pior: na semana que antecede a reunião, a sensação térmica na economia se parece muito à do momento da quebra, em setembro, do Lehman Brothers, que marcou o início de um tobogã nas Bolsas, na economia real, nos investimentos e nos financiamentos.
Reaparece o fantasma de quebra de bancos ou de estatização de muitos deles. É significativo que a capa da mais recente edição da revista "The Economist" trate da crise bancária. Mais: o texto de abertura diz que, "como publicação capitalista, nós rejeitamos uma política deliberada de nacionalização no atacado", mas, acrescenta, "goste-se ou não, pode ser a opção menos ruim em muitos casos doravante".
É igualmente representativo da perplexidade com que Davos recebe a elite global o fato de que um de seus principais assistentes, Gordon Brown, tenha passado rapidamente de salvador do planeta, ao lançar o pacote pioneiro de socorro a bancos (e à economia), a candidato a líder de "uma Islândia no Tâmisa", como diz o jornal "Daily Express", aludindo ao pequeno país europeu que sofreu o mais profundo colapso durante a crise.
Até a sóbria "Economist" escreve: "É tempo de admitir que a primeira rodada de socorro a bancos não foi suficiente".
É sobriedade demais para descrever o ambiente em que Davos recebe a elite. Por isso mesmo, para moldar o mundo pós-crise, como pede o título geral do encontro, só se a cidadezinha for mesmo "A Montanha Mágica", o clássico do Nobel de 1929 Thomas Mann (1875-1955), ambientado precisamente em Davos.


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